BIOGRAFIA DE
CONFÚCIO
孔子世家
Memórias
Históricas de Sima Qian
Shiji 史記 de Sima Qian司馬遷
Por Lin Yutang 林語堂
A Sabedoria de Confúcio.
Rio de Janeiro:
José Olympio, 1958
Introdução de Lin Yutang
O que se segue é uma tradução da vida de Confúcio, constante do Shi-ki,
escrita
por Szema Ch'ien, que viveu cerca de trezentos anos depois do Mestre (145-85
(?) A. C.) A tradução desse documento é importante por duas razões. Primeiro, é
a mais antiga e de fato a única apresentação biográfica coerente de Confúcio, e consta do grande livro padrão da
história chinesa, tendo sido escrita por um homem reconhecido como o pai dos historiadores
chineses, além de prosador exímio. A autoridade do Shi-ki é inquestionável e Szema
Ch’ien viajou muito e visitou pessoalmente o lugar onde nascera Confúcio e falou com velhos cidadãos que mantinham
viva a antiga lenda sobre Confúcio. Trata-se, portanto, de um esboço da
existência de Confúcio o mais bem acabado que se poderia obter. Em segundo
lugar, Szema Ch’ien era um espírito extremamente arejado e imparcial; portou-se
como historiador, e não como advogado do Confucionismo a tomar partido nas
questões. Embora manifestando sua profunda admiração por Confúcio não se fez
adepto incondicional da escola confuciana. Daí resultou dar-nos-ele um retrato
de Confúcio homem, mais que de Confúcio santo, e não poucos críticos
confucianos já tentaram torcer o sentido de certas passagens dessa biografia
com interpretações artificiosas, às vezes mesmo negando-lhe sem motivo a
exatidão histórica. Em todo caso, podemos aceitá-la como um belo retrato de Confúcio,
tal como cabia no espírito dos mais doutos letrados daqueles tempos, quase três
séculos depois de Confúcio.
1.Antepassados, infância
e juventude [551-523 a.C.]
Confúcio nasceu na cidade de Tsou, condado de
Ch'angping, no país de Lu. Seu mais remoto ancestral era K'ung Fangshu
(descendente em nona geração de um rei de Sung e ascendente de Confúcio em
quarta geração). Fangshu foi pai de Pohsia, e Pohsia foi pai de Shuliang Ho. Ho
foi o pai de Confúcio, em união extraconjugal
com uma jovem de família Yen[1]:
ela orou no monte Nich'iu e concebeu a Confúcio em resposta à sua oração, no
vigésimo segundo ano do Duque Hsiang de Lu (551 A. C.). Quando Confúcio nasceu,
apresentava uma notável saliência na cabeça, e por isto o apelidaram Ch'iu (quer dizer "monte"). Seu primeiro
nome era Chungni, e o sobrenome K'ung ("Confúcio" significa
"K'ung, o Mestre").
Logo que Confúcio
nasceu, morreu-lhe o pai e foi enterrado em Fanqshan, na parte oriental de Lu
(em Chantung). E assim Confúcio ficou em dúvida quanto ao lugar do túmulo de
seu pai, pois sua mãe escondera dele a verdade. Enquanto criança, ele gostava
de brincar de celebrar sacrifícios e realizar cerimônias rituais. Quando
morreu-lhe a mãe, enterrou-a provisoriamente na Rua dos Cinco Patriarcas, até
que uma anciã, a mãe de Wanfu de Tsou, informou-o da localização da sepultura
de seu pai, e então Confúcio enterrou juntos seus progenitores, em Fangshan.
Certa vez o Barão de Lu, Chi, oferecia um banquete aos letrados da Cidade, e Confúcio ia passando, ainda de luto. Yang Ho, um
oficial sem caráter, acercou-se de Confúcio para intrigar: "O barão está
dando um banquete aos letrados, e não se dignou convidar-vos”. Então, Confúcio partiu.
Quando Confúcio tinha
dezessete anos, o Barão Li Meng adoeceu. Em seu leito de morte deu a seu filho,
o Barão Yi Meng, o seguinte
conselho: "K'unq Chiu (Confúcio ) é descendente de um grande
fidalgo. A casa dos K'ungs foi destruída no país de Sung (os ancestrais de Confúcio foram expulsos por seus rivais e
emigraram para o país de Lu). Seu grande antepassado, Fufu Ho, foi o primogênito do Duque de Sung, mas abdicou o
trono em favor do irmão. que se tornou O Duque Li. Numa geração posterior,
Chenqk'aofu assistiu os Duques Tai, Wu e Hsuan, de Sung, no governo. Sua
humildade cresceu com suas três promoções sucessivas. Assim, a trípode da casa
de K'ung ostentava esta inscrição: "Com a primeira promoção, curvo a
cabeça; com a segunda promoção, curvo o pescoço; e com a terceira promoção, curvo
a espinha, e ando pelos cantos, e ninguém ousa insultar-me. Aqui tenho o meu
arroz, e aqui tenho a minha sopa, com que alimento a minha boca." Tal era
a sua humildade. Ouvi dizer que os filósofos devem surgir das casas de grandes
homens, embora eles não estejam no poder. Agora K'ung Chiu é jovem e um grande
interessado em estudos históricos. Quando eu morrer, deves ir a ele e segui-lo."
E quando faleceu o velho, o Barão Yi, seu
filho, foi estudar com Confúcio, bem como Nankung
Chingshu (certamente seu irmão mais moço). Nesse ano morreu o Barão Chi, de Lu, e seu filho Tai sucedeu-o no trono.
Confúcio nasceu de
família comum e pobre, mas quando cresceu chegou a fiel do celeiro em casa do
Barão Chi, fazendo-se notar pela
excelência de suas medidas. Também lhe foram confiadas as reses e as ovelhas, e
os rebanhos rapidamente se multiplicaram. Promoveram-no então a Ministro das
Obras Públicas - mas logo deixou ele o seu país natal, Lu, e foi descerimoniosamente
expulso do país de Ch'i, expulso de Sung e de Wei, e andou em dificuldades e em
perigo pelos subúrbios entre Ch'en e Ts'ai. Ao cabo de tais andanças, tornou a
Lu.
Confúcio media nove pés e seis polegadas de altura
(a antiga unidade de medida havia de ser muito mais curta, pois ao Rei Wen
atribuía-se uma altura de dez pés), e toda a gente maravilhava-se com a sua figura reconhecida como a de "um homem
alto". O governo de Lu sempre fora cortês para com ele, e por isto ele
regressou a Lu. Seu discípulo Nankung Chingshu pediu ao governante de Lu
permissão para uma viagem à capital imperial, Chou. O Duque de Lu deu-lhes uma
carruagem com dois cavalos e um pajem, e assim foram ambos a Chou, estudar as
cerimônias e os rituais antigos; lá encontraram Laotse. Quando Confúcio preparava-se
para a volta, Laotse despediu-se dele da seguinte maneira: - "Diz-se que
uma pessoa rica faz
presentes em dinheiro e
que as pessoas bem formadas dão presentes em conselhos, por isto quero
presenteá-lo com um conselho: o homem brilhante e ponderado, vê-se muitas vezes
em perigo por gostar de criticar os outros: um homem instruído e firme em seus
argumentos, expõe-se a ameaças por gostar de revelar as fraquezas dos outros;
não pense em si mesmo apenas como um filho ou um ministro, na corte."
2.Dos
trinta aos cinquenta anos
Confúcio regressou então, de Chou, para a sua
terra, Lu, e mais e mais discípulos acorreram a estudar com ele. Por essa época
o Duque P'ing, de Chin, foi escorraçado; seus ministros, em número de seis,
tornaram o poder e entraram a propiciar incursões armadas para leste do país. O
Rei Ling, de Ch'u, (cujas terras ficavam a sudoeste de Lu) possuía um poderoso
exército que dominava a China. Ch'i
era um
vasto país vizinho (ao norte). Lu era
um país pequenino e fraco: se se aliasse a Ch'u, Chin haveria de zangar-se, e
se se aliasse a Chin, seria a vez de Ch'u invadir suas terras; e se deixasse de
fortalecer suas relações com Ch'i,
também Ch'i invadiria o país... No ano vigésimo do Duque
Chao, de Lu (522 A. C.), quando Confúcio contava
já trinta anos (ou vinte e nove, pela contagem inglesa), o Duque Ching, de Ch'i, veio em visita a Lu com seu Ministro Yen Ying. E
o Duque de Ch'i perguntou a Confúcio: - "Como é que o Duque Mu, de Ch'in,
pode dominar os outros países, sendo o seu país tão pequeno e estando situado
nos confins do Império?" E Confúcio respondeu:
- "Ainda que Ch'in fosse pequeno, grande
era a sua ambição; e ainda que estivesse num confim remoto, seus interesses
foram conduzidos de acordo com os princípios morais. O duque tirou Poli Hsi da prisão e elevou-o à categoria
de nobreza; depois de confabular com ele por três
dias, confiou-lhe o
governo. Eis como o duque
chegou ao poder: poderia ter-se feito rei e não apenas ditador dominando os demais Estados." O Duque de Ch'i gostou
da observação de Confúcio.
Quando Confúcio tinha
trinta e cinco anos (517 a. C.),
o Barão
P’ing, de Chi, desagradou
ao Duque Chao, de Lu, numa questão com o Conde Chao, de Hou, a propósito de uma
briga de galos; e o Barão P'ing, juntamente com os dois outros barões de Lu , o
Barão Meng e o Barão Shusun, atacaram o duque; perdeu este a luta e fugiu para Ch’i, onde lhe deram um distrito em Kanhou. Pouco
depois o país de Lu caiu em desordem, e Confúcio foi para Ch’i, onde serviu
como secretário do Barão Chao Kao na esperança de estabelecer ligação com o
duque de Ch'i. Também discutia com o Mestre de Música, em Ch'i: aí escutou a
música de Hsiao
(de
bailado simbólico, atribuída a um antigo Imperador Shun, 2255-2204 a. C.) e
tentou aprendê-la. Durante três meses absteve-se de carne; o povo de Ch'i ficou
muito impressionado. Um dia o duque interpelou-o e Confúcio
respondeu:
- "O rei devia ser como um
rei, os
ministros
como ministros, os
pais
como pais e
os filhos
como filhos."
- "Ora!", retrucou
o duque, e Confúcio prosseguiu:
- "Se
o rei não é como um
rei, os
ministros
não são como ministros, os pais
não são como pais. e
os filhos
não são como filhos...
como hei de
comer, embora
alimentos não falte aos
país?"
De
outra feita, voltou o duque a interpelar Confúcio sobre o que seria um governo
bom, e ele respondeu:
- "O bom governo
consiste em
restringir
os gastos
do Estado."
A resposta agradou ao duque, e estava ele
disposto a confiar a Confúcio a terra de Nich'i, quando o ministro Yen Ying lhe
falou:
- "Os Ju (mais tarde
identificados com os confucionistas) são maus exemplos a seguir, dada a sua
loquacidade; e são maus súditos, dado o seu orgulho personalista. Suas
doutrinas dificilmente se aplicariam ao povo,
pela ênfase que dão aos funerais e pelo seu vezo de permitir que uma família vá
à bancarrota apenas para custear um enterro dispendioso. Também são maus governantes, porque entram logo a pregar, a
pedir e a tomar empréstimos. Desde que morreram nossos grandes homens e a
Dinastia Imperial de Chou começou a decair, nossa música e os nossos rituais
degeneraram ou ficaram parcialmente esquecidos; agora vem Confúcio com a sua insistência a respeito de vestes
cerimoniais e detalhes de ritual e etiquetas da corte. Uma pessoa pode gastar a
vida inteira em tais estudos sem chegar a esgotá-los, e pode levar anos e anos
sem chegar a conhecer todos os rituais e cerimônias. Eu então pergunto se é
aconselhável pôr Confúcio no poder e alterar os costumes do país, tendo em
vista os interesses do povo." Depois disto o duque passou a receber polidamente
a Confúcio, sem nunca mais consultá-lo sobre cerimônias e ritos tradicionais.
Um dia o duque lhe disse, com a visível intenção de mantê-lo no país:
-
"Não
lhe posso oferecer o posto do Barão Chi, mas vou dar-lhe uma posição entre os dos Barões Chi e
Menq." Os nobres de Chi conspiravam contra Confúcio, e este chegou a sabê-lo. O duque falou-lhe:
- "Lamento ser
velho demais para pôr em prática as vossas doutrinas." Confúcio afastou-se
e regressou a Lu.
Quando Confúcio tinha quarenta e dois anos (511 A. C.), o Duque Chao, de Lu, morreu no exílio em Kanhou. O
Duque Ting substituiu-o: e no verão do seu quinto ano de governo. O Barão P'inq,
de Chi, morreu, sendo sucedido por seu filho, o Barão Huan. A essa altura, conta-se
que Confúcio era consultado, como historiador emérito, a respeito de certos
objetos desenterrados. Uma dessas consultas foi sobre ossos animais descobertos
durante a demolição de um muro da cidade; um dos ossos, dizia-se, era do
tamanho de uma carruagem, talvez restos de algum dragão, e o rei interessado
enviou de longe um mensageiro para indagar de Confúcio que ossos seriam aqueles
- ao que Confúcio prontamente respondeu, com seus vastos conhecimentos de
história antiga.
O Barão Huan tinha um secretário favorito, de nome
Chungliang Huai, o qual tinha uma rixa com Yang Hu (também citados nos
ANALECTOS como Yang Ho), e este último queria expulsá-lo da cidade, não o
fazendo por intervenção de Kungshan Puniu. Yang afinal prendeu-o, e o Barão
Huan protestou, e em vista disto Yang meteu-o na prisão e fê-lo assinar um compromisso,
antes de soltá-lo: daí por diante, Yang procedia com a maior arrogância em
relação ao barão. Mas por sua vez o Barão Huan Chi também usurpara a autoridade
do duque, de maneira que o governo de Lu ficou entregue aos barões. O país
mergulhou num estado de confusão moral, desde os fidalgos até os plebeus, e Confúcio resolveu não se imiscuir no governo.
retirando-se, em vez disso, para estudar ou para editar livros de poesia,
história, rituais e música. O número de seus discípulos
crescia rapidamente, e muitos procediam de longínquas regiões do país.
3.O Período da grande
força [502-496 a.C.]
No oitavo ano de governo
do Duque Tinq, de Lu (502 A. C.),
Kungshan Puniu não se deu bem com o Barão Huan Chi, e aliou-se a Yang Hu para
promover uma rebelião, destronar o primogênito do barão e fazer herdeiros do
trono os filhos de suas concubinas, amigos de Yang. Para isto capturaram o
Barão Huan Chi, que afinal conseguiu
escapar; no ano seguinte Yang foi derrotado e fugiu para o país de Ch’i.
Confúcio contava então cinqüenta anos. Kungshan
Puniu iniciou outra rebelião contra o Barão Huan, na cidade de Pi, e o Barão Huan enviou a Confúcio um pedido para que fosse vê-lo. Confúcio havia-se
devotado, desde longo tempo, ao prosseguimento de seus estudos; achava-se
maduro e bem, sem todavia saber exatamente por onde começar a aplicação de seus
ensinamentos às práticas governamentais. Uma vez, disse: - "Os
reis Wen e
Wu
chegaram ao poder, procedentes das pequeninas cidades de Feng e K'eo, e por fim
estabeleceram
o império
de Chou. Pi é
um
lugar pequenino, eu sei, mas talvez deva tentar." E assim estava Confúcio prestes
a partir, mas seu discípulo Tselu não se conformava com isso e procurou
dissuadi-lo. Confúcio replicou: - "Já que o barão
pede para ver-me, há de ter um plano em mente, e se ele me guindar ao poder
poderemos chegar a realizar algo como a obra do Imperador P'ing" (que restaurou o poder
da Dinastia Chou, iniciando a chamada Era Chou Oriental).
Afinal Confúcio não foi.
Mais tarde o Duque Ting
nomeou Confúcio prefeito de Chungtu. Ao cabo de um ano a cidade tornou-se um modelo
para todas as suas vizinhas. Daí Confúcio foi
promovido a Secretário das Obras Públicas
e do Trabalho, e por fim tornou-se Grande Secretário da Justiça. Na primavera
do décimo ano do Duque Ting (500 A. C.), Lu firmou um tratado de amizade com Ch’i, e no verão desse mesmo ano, um
ministro de Ch’i, chamado Li Chu, disse ao duque de Ch’i: - "Isto vai-se tornando perigoso para nós,
estando Confúcio no poder em Lu." Então combinaram uma conferência
amistosa entre os dois países, em Chiaku. O Duque
Ting preparava-se para comparecer à conferência, em sua carruagem; mas Confúcio, na qualidade de primeiro-ministro,
Falou-lhe: - "Tenho
ouvido dizer que a conferências civis deve-se enviar uma delegação militar, e a
conferências militares deve-se enviar uma delegação civil. Os governantes
dos velhos tempos sempre se
faziam
acompanhar de uma escolta militar, quando em visita a um país estrangeiro; recomendo
que levemos conosco os Secretários
da Guerra, Direito e
Esquerdo."
O duque
assentiu, e assim partiram rumo a Chiaku, com os Secretários da Guerra. No local
onde o encontro haveria de dar-se foi armado um altar, circundado por três plataformas
de terra concêntricas. As duas delegações encontraram-se, com as cerimônias de
costume. Curvaram-se, uma diante da outra, e galgaram as plataformas. Depois de
haverem libado a taça de vinho do
cerimonial, um oficial de Ch’i
adiantou-se
e pediu permissão para apresentação de uma orquestra com elementos de várias
regiões; o duque de Ch’i deu consentimento, e os
músicos vieram promovendo um tremendo ruído - os dançarinos civis com seus
leques e flâmulas de rabo de boi ou penas de faisão, os dançarinos militares
com suas lanças, tridentes, espadas e escudos. Confúcio avançou então alguns
passos, até quase a beira da primeira plataforma; arregaçou as largas mangas de
sua roupa, e disse: - "A
que vieram estes músicos bárbaros, quando os chefes de governo estão
celebrando uma conferência amistosa? Solicito que eles sejam dispensados."
O
oficial de Ch’i tentou fazê-los voltar,
mas os músicos recusavam-se a obedecer. Todos os olhos voltaram-se para o duque
de Ch'i e seu Ministro Yen Ying. O duque viu-se em grande embaraço e acenou com
as mãos para que os músicos evacuassem o local. Depois de algum tempo, o
mestre-de-cerimônias de Ch’i aproximou-se e pediu licença para fazer executar
música palaciana, no que o duque assentiu. Artistas e anões, a caráter, começaram
a execução, e outra vez Confúcio acercou-se da primeira plataforma e disse: - "Pessoas
vulgares, que procuram corromper os governantes,
devem ser mortas. Solicito uma providência do mestre-de-cerimônias. O mestre-de-cerimônias
mandou matar os atores, cujos membros foram separados dos corpos.
O duque de Ch’i
achava-se grandemente envergonhado e impressionado, e achou que melhor seria
regressar ao seu país. Falando em tom de grande ponderação, dirigiu-se aos seus
ministros: - "Os homens de Lu ajudaram seu chefe a proceder como um gentil-homem,
enquanto que vós me fiz estes agir como um bárbaro. Eis que cometi uma ofensa
aos olhos do chefe de Lu. Que devo fazer?" Um oficial respondeu: -
"Quando um gentil-homem se arrepende de seus erros, emenda-os com atos, e
quando um homem vulgar se arrepende de seus erros, emenda-os com palavras. Se
vos lastimais pelo que haveis feito, eu sugiro que vos emendeis com atos
verdadeiros." Assim o duque de Ch’i devolveu
as terras de Yun, Weniang e Kueit'ien, que haviam sido tomadas a Lu, como prova
de arrependimento. No verão do ano décimo terceiro do Duque Ting (497 A. C.),
Confúcio disse ao duque: - "Um súdito não deve possuir
armamento privado, nem um senhor deve ter mais de cem "parapeitos" de
terra" (cada
"parapeito" representando trinta pés).
O duque nomeou então
Tselu, discípulo de Confúcio, Secretário do Baronato Chi, e ordenou que se reduzissem as cidadelas dos
três grandes barões. Primeiro a cidade de Hou, pertencente ao Barão Shusun, foi
reduzida. O Barão Chi estava prestes a reduzir
sua cidade de Pi, mas Kungshan Puniu e Sun
Cheh sublevaram o povo de Lu para um ataque à sede do ducado. O duque e os três
barões dirigiram-se ao palácio do Barão Chi e ocuparam o terraço do Barão Wu. A
gente de Pi atacou-os aí, sem conseguir tomar-lhes a posição. A batalha
recrudesceu em torno do duque, e Confúcio mandou que os fidalgos Shen Kouhsu e
Yo Ch’i marchassem de encontro
aos atacantes. Os rebeldes foram derrotados, e os soldados de Lu os perseguiram
e castigaram em Kumi. Os dois Barões Shusun e Chi correram então ao país de Ch’i, e a cidade de Chi foi arrasada ao nível do chão. A cidade de
Ch'eng, reduto poderoso do Barão Meng, seria a seguinte na ordem de arrasamento,
e o magistrado de Ch'eng falou ao Barão Meng: ,- "Quando a cidade for
demolida, o povo de Ch’i achará o caminho aberto
para atacar Lu pelo norte. Além disso, Ch' eng é o baluarte da casa de Meng:
sem Ch'eng, não haverá Mengs. Recuso-me a vê-la destruída." Em dezembro o
duque sitiou a cidade, mas não a capturou.
No ano décimo quarto do
Duque Ting (496 A. C.), Confúcio contava cinqüenta e seis anos. Do posto de
Grande Secretário da Justiça, foi promovido ao de primeiro-ministro. Confúcio manifestou evidente prazer com a
novidade, e seus discípulos falaram: - "Dizem que um gentil-homem não tem medo
de desgraças e não se compraz no êxito." Ao que Confúcio redarguiu: - "Pois
é assim?
E não se diz também que uma pessoa é feliz por elevar-se a uma
posição fora do comum? Nessa ocasião, fez executar a Shao Chengmao, um ministro que
pusera o governo em dificuldades.. A0 cabo de três meses de exercício como
primeiro-ministro, os vendedores de carne de porco e de carneiro já não
adulteravam sua mercadoria, e homens e mulheres andavam pela rua em faixas
diferentes. As coisas que se perdiam na rua não eram indevidamente apropriadas,
e os estrangeiros que visitavam a cidade não precisavam apresentar-se à
polícia, trafegando em Lu como em seu próprio país.
Quando o povo de Ch’i teve conhecimento disto, grande foi o susto: -
"Se Confúcio permanece no poder,
certamente Lu acabará por dominar os outros Estados, e quando for uma força
dominante, nós, os vizinhos mais próximos, seremos os primeiros a sucumbir. Por
que não firmar amizade com eles, presenteando-os com uma porção de terreno? O
Ministro Li Chu propôs: - "Vamos antes procurar afastar Confúcio: se
falharmos, então haverá ocasião de oferecer a Lu um pouco de terra." Assim
escolheram oitenta raparigas, das mais formosas do país, habilitadas a executar
a dança k'enq,
com
suas ricas vestes bordadas. Essas donzelas foram enviadas como dádiva ao
governante de Lu, juntamente com cento e vinte esplêndidos cavalos; o fabuloso
presente foi colocado diante do Grande Portão do Sul, de Lu. Por três vezes o
Barão Huan Chi veio, em traje ordinário, ver o espetáculo; pensava que o duque
aceitaria o presente, e sugeriu-lhe que fosse, por uma estrada perimetral, ver
também. Assim o duque e o barão encaminharam-se àquele local, durante vários
dias, negligenciando seus deveres governamentais. "Acho que é tempo de nos
afastarmos", ponderou Tselu. Confúcio replicou:
- "Espera
um pouco; já estamos
quase na época do Sacrifício ao Céu, e se o duque
tiver a lembrança de mandar as oferendas queimadas, para os ministros, após o culto
público, preferirei ficar." Afinal o Barão Huan recebeu a oferta das
raparigas de Ch’i, e por três dias não
atendeu aos seus afazeres nem se lembrou de enviar aos ministros as oferendas
do ritual. Então Confúcio partiu. Numa parada, na cidade de Tun, Shihchi falou,
ao despedir-se: . "Mestre, sei bem que não mereceis nenhuma censura por
abandonar Lu." Confúcio perguntou: "Posso cantar uma
canção?" E
cantou:
Cuidado
com a língua da mulher,
Mais cedo
ou mais tarde há de ferir;
Cuidado
com visita de mulher,
Mais cedo
ou mais tarde ela há de vir.
Ei hô!
Ei hô!
Chegou
a minha vez de partir.
Shihchi voltou e o Barão
Huan perguntou-lhe:
"Que foi que
Confúcio disse?" ShihChi contou a verdade, o barão exalou um suspiro e
falou: - "O Mestre aborreceu-se comigo por causa destas prostitutas."
4.Cinco anos de andanças
Confúcio dirigiu-se ao país de Wei (a oeste de Lu)
e parou em casa de Yen Tutsou, irmão da esposa de Tselu. O duque Ling, de Wei,
perguntou quanto Confúcio recebia em Lu, sendo informado de que ele tinha um
salário de sessenta mil alqueires de arroz; e o Estado de Wei passou a dar-lhe
também sessenta mil alqueires. Depois de estar Confúcio em Wei por algum tempo, alguém falou mal dele ao
duque, e este pediu a um cidadão, Kungsun YuChia, em uniforme militar completo,
que passasse para dentro e para fora da sala ocupada por Confúcio. Confúcio
entendeu-o como gentil insinuação, e saiu de Wei, onde permanecera por dez
meses.
Foi então para o país de
Ch'en (mais a oeste) e teve de passar pela cidade de K' uang. Y enk'eh, que ia
na direção, apontou com o chicote para uma fenda na muralha da cidade e
observou: - "Sabei que da última vez entrei na cidade por aquela
brecha." Isto foi ouvido pelos nativos, os quais julgaram tratar-se de
Yang Hu, de Lu, voltando àquela cidade. Yang Hu havia sido muito cruel para com
os nativos de K'uang, e por isso eles cercaram
a Confúcio. O Mestre parecia-se com Yang e foi seqüestrado, por cinco dias. Yen
Yuen (ou Yen Huei), seu discípulo favorito, apareceu mais tarde, e Confúcio lhe
disse: - "Pensei
que havias sido morto." Respondeu Yen:
- “Como ousaria eu ser morto,
enquanto viveis?" A situação ficou pior, e os discípulos tiveram receio,
mas Confúcio falou: - "Desde
que o Rei Wen
morreu, não está a tradição do Rei Wen (a tradição moral do Rei Wen, que encarnava o
sistema ideal de governo, segundo Confúcio) em
minha exclusiva posse? Pois se for desígnio dos Céus que se perca
essa herança moral, a posteridade jamais terá conhecimento dela. Mas se os Céus
não quiserem que essa tradição se perca, que me poderá fazer a gente de K'ueng?"
Confúcio
teve então licença de partir, pedindo a um de seus seguidores, o Barão Wu Ning,
que fosse servir ao governo de Wei.
Depois disto, atravessou
P'u, onde se demorou mais de um mês, e regressou a Wei. Parou em casa de Chu Poyu
(um gentil-homem idoso e culto, a quem Confúcio respeitava). A Rainha Nancia,
de Wei, mandou a Confúcio uma mensagem, dizendo:
"Os gentis-homens estrangeiros que honram o nosso país com a sua visita,
sempre me vêm ver. Posso contar com o prazer da vossa presença?" Confúcio
tentou esquivarse, mas não o conseguiu: a soberana viu Confúcio detrás de um
reposteiro de linho. Confúcio entrou e inclinou-se com a face voltada para o norte; a
rainha fez uma dupla cortesia, por trás da cortina, cujos pendentes de jade
tilintaram. Após a entrevista, Confúcio declarou: - "Eu
não pretendia visitá-la, e nós
nos avistamos com o
mais
perfeito decoro". Tselu mostrava-se muito
contrariado (pois Nancia era notoriamente devassa], e Confúcio jurou: - "Se
fiz
algo de
mau,
que o
Céu me castigue!
“O Céu me castigue”.
Confúcio ficou mais de
um mês em Wei. Um dia o duque passava com a rainha, numa carruagem guiada pelo
eunuco Yung Chu, e Confúcio ia atrás, noutra carruagem (ou no assento traseiro)
. Assim desfilaram pelas ruas, chamando a atenção do povo, e o Mestre observou:
- "Nunca
vi o povo ser
tão atraído por virtuosos letrados como o é por mulheres bonitas." Confúcio considerou isso uma lástima, e saiu de Wei para
Ts'ao. Nesse mesmo ano (495 A. c.)
morreu o
Duque Ting, de Lu.
Deixando Ts'ao, Confúcio
foi para Sung, onde costumava estudar com seus discípulos as práticas cerimoniais,
sob uma grande árvore. Um oficial militar de Sunq, Huan Tuei, queria matar
Confúcio e cortou as raízes da árvore. Mas Confúcio de
repente resolveu sair de Sunq, e seus discípulos o avisaram: - "É melhor nos apressarmos." Confúcio
ponderou: - "Os
Céus me incumbiram de um destino (ou missão) moral. Que me pode
fazer Huen
Tuei?"
Confúcio encaminhou-se
então para Cheng (na moderna Honan Setentrional), e o Mestre e seus discípulos
desgarraram-se uns dos outros. Como Confúcio se colocasse junto ao Portão
Leste, sozinho, do lado de fora, alguns nativos disseram a Tsekung: -
"Está, no Portão Leste, um homem de semblante parecido com o Imperador
Yao, o pescoço lembra o de um antigo ministro Kaoyao, e os ombros recordam os
de Tsech'an: do tronco para baixo, deve ser umas três polegadas menor que o
Imperador Yu. Tem um ar desencantado, como o de um cão vagabundo, sem
dono." Tsekung, relatou isso a Confúcio [quando voltaram a encontrar-se] ,
e o Mestre sorriu, dizendo: - "Não sei que
descrições se
fazem
de minha
figura, mas essa de
eu parecer
um cão vagabundo, sem dono, é boa - é muito
boa!"
Confúcio foi então para
Ch' en [Ch' en, Cheng, Ts'ai e Sung eram muito próximas todas], onde se demorou
mais de um ano, em casa de Tsentse, magistrado da cidade. O rei de Wu (grande
país a sudeste, no moderno Kiangsu) invadiu Ch'en e capturou três de suas
cidades. Chao Yang invadiu Chuko (494 A. C); o
exército de Ch'u sitiou T's'ai, cujos habitantes emigraram para Wu. Wu derrotou o Rei Kouchien, de
Yueh, em Kuei Ch’i (mais a sudeste, no atual Chekiang). Na corte de Ch'en caiu um
gavião, com uma flecha atravessada no corpo, e morreu. A flecha era feita de madeira
k'u
e tinha
ponta de sílex, com um pé e uma polegada de comprimento. O duque de Ch'en
mandou consultar Confúcio a respeito dessa flecha,
e Confúcio esclareceu: - "Este
gavião deve ter vindo de muito
longe; essa é
a
flecha usada pelos bárbaros de Shushen. Quando o Imperador
Wu conquistou Shang e
construiu
estradas através dos "Nove Yi" e dos "Homem Cento",
bárbaros, impôs tributo às diferentes regiões, como sinal de perpétua
homenagem. Os bárbaros de Shushen
enviaram então o
seu
tributo em
flechas
de madeira
k'u com pontas de
sílex,
medindo um pé
e uma
polegada. O
imperador
ofereceu as flechas à sua filha mais velha, em sinal de amor;
ela era esposa de um Duque Yuhu, que se tornou o primeiro
duque de Ch'em. Era hábito imperial dar presentes de jade aos
parentes que tivesssem o mesmo
sobrenome, como símbolo de afeição,
e ofertar
objetos de regiões distantes aos parentes que tivessem sobrenome diferente, a
fim de que estes
não olvidassem sua lealdade à Casa Imperial. Assim vieram ter em Ch'en
as flechas dos Shushen: algumas hão de ser ainda encontradas nos velhos
arquivos." E
de fato, nos arquivos, acharam-se flechas semelhantes, como Confúcio havia dito.
Confúcio demorou-se em Ch'en três anos. Sucedeu
que os países Chin (hoje Shensi) e Ch'u (hoje Hupei) estavam em luta e não raro
invadiam Ch'en. Quando o país de Wu invadiu Ch'en e Ch'ang foi atacada, Confúcio
falou: -
"Ah, vamo-nos embora! Os moços de nossa terra, ou são brilhantes e vagabundos,
ou simplórios e
esquivos;
mas pelo menos não perderam sua primitiva singeleza de caráter."
Assim Confúcio saiu de Ch'en, e ia passando pela cidade
de P'u. Acontece que um tal Kungshu estava então promovendo uma revolução em
P'u, e o povo rodeou Confúcio, tinha ele, todavia, um discípulo de nome Kungliang
Ju, que o seguia com cinco carros. Kungliang Ju era alto, hábil, e notável pela
sua bravura. Disse ele a Confúcio: - "Pois
não é o destino? Da última vez que eu vos acompanhei a K'uang metemo-nos em
encrenca, e agora complicamo-nos de novo. Desta vez vou brigar até o fim."
Travou-se uma luta furiosa, e os nativos de P'u amedrontaram-se, prometendo
libertar Confúcio desde que ele prometesse não ir a Wei - pelo que Confúcio
jurou lá não ir. Saiu então pelo Portão Leste, mas dirigiu-se diretamente a
Wei. "Ora, pode-se pois quebrar uma
jura assim?" - inquiriu Tsekung. "Por certo, foi uma jura feita sob coação, o que não
agrada aos deuses" - respondeu o Mestre.
O duque de Wei ficou
satisfeitíssimo ao saber que Confúcio estava de volta, e dirigiu-se aos
subúrbios a fim de dar-lhe as boas-vindas. "Achais que eu poderia atacar a
cidade de P'u?" - indagou o duque. "Sem dúvida" - respondeu Confúcio. E o
duque: - "Meus ministros julgam desaconselhável. porque P'u nos serve de
defesa contra Chin e Ch'u. De fato, não será desaconselhável atacarmos?" Confúcio replicou: - "Os
cidadãos de P'u estão prontos a defender sua terra até o último
homem, e
as mulheres
estão igualmente dispostas a defender
suas casas. O
que
desejaríamos punir são quatro ou cinco líderes rebeldes." "Muito bem" -
ponderou o duque, e P'u não foi atacada.
O duque estava já velho
e não dava conta de seus afazeres, mas não tencionava colocar Confúcio no poder.
Confúcio suspirou e disse: -"Se alguém
me puser no poder, precisarei apenas de um mês (para estabelecer os
fundamentos de uma nova ordem), e em três anos terei conseguido
enormes resultados."
Então Confúcio deixou
Wei. Um tal Pi Hsi era o magistrado de Chungmou (no país de Chin) , e o Barão
Chien Chao, em luta contra Fan Chunghsing, atacou a cidade. Pi Hsi rebelou-se e mandou a Confúcio uma mensagem,
pedindo-lhe que fosse ajudá-lo. Confúcio pensava
ir, mas Tselu protestou: - "Mestre, eu ouvi, de vossa boca, que um gentil-homem
não entra no país cujo governante tem má vida pessoal. Como é que ides agora
ajudar esse rebelde Pi Hsi, em Chungmou?" Confúcio respondeu: - "Sim,
aquilo eu disse de fato. Mas também se diz que uma coisa realmente dura
não teme amolecer-se e
uma
coisa realmente branca não teme manchar-se. Serei, aliás, alguma cuia
seca, para ficar pendurado a uma
parede, sem comida (durante
dias)?"
Confúcio estava tocando um instrumento musical de
pedra, o ch'inq,
quando
passou por sua porta um homem com um cesto de vime e disse: - "Como pode
alguém deleitar-se a tirar música de uma pedra, assim... Gente estúpida, não se
enxerga: que hei de dizer de uma tal pessoa?"
Uma vez Confúcio estava aprendendo a tocar o ch'in (instrumento de cordas)
com o professor de música Hsiantse, e em dez
dias parecia não ter avançado muito. O professor lhe disse; - "É melhor, agora, aprenderdes algo
diferente." E Confúcio retrucou: “A melodia eu já sei, a batida e o ritmo é que me
falta aprender." Após algum tempo mais, o professor disse: "Agora já aprendestes a batida e o ritmo,
vamos passar a outro ponto." "Ainda não aprendi a
expressão"-
reclamou Confúcio. Mais tarde, voltou o professor a falar: - "Agora já aprendestes a expressão."
E Confúcio: - "Falta-me
ainda conceber a personalidade do compositor." No fim de algum tempo,
voltou o professor: - "Por trás
dessa música há um homem, ocupado em profundas reflexões, e que às vezes olha
mais longe, fixando o espírito rumo ao eterno." "Já
sei: é um
homem alto, escuro, e
sua
mente é
como
a de um construtor de impérios - será alguém que não o Rei
Wen, em pessoa [o
fundador da Dinastia Chou]?" O professor de música levantou-se do seu
assento e inclinou-se perante Confúcio,
dizendo: -
"Pois esta é a música do Rei Wen."
A essa altura Confúcio percebeu que nada tinha a fazer em Wei, e
dirigiu-se a Chin para encontrar o Barão Chien Choa. Ao chegar à margem do Rio
Amarelo, teve notícia da morte de Tu Mingtu e Shun Hua. Ficou parado, à beira
da água, e suspirou: - "Como o rio é, belo: flui eternamente! Quis o destino
que eu não o
atravessasse."
"Que
quereis dizer?" - indagou Tse kung, aproximando-se. E Confúcio falou: - "Tu
Mingtu e
Shun
Hua eram bons ministros de Chin. Antes de chegar ao poder, o Barão
Chien Chao havia dito que insistiria em tê-los consigo; agora está ele no
poder, e
matou-os.
Ouvi dizer que quando o povo
provoca abortos ou mata crianças, o unicórnio recusa-se a aparecer
em suas terras, e
quando
o povo
esvazia o
tanque
para pegar peixe, o
dragão
recusa-se a
pôr
em harmonia os
princípios
de yin e
yang
(que
regem a carência e a abundância), e quando o povo
profana os
ninhos
dos pássaros e
quebre-lhes
os ovos, a
fênix recuse-se a
vir.
Por quê? Porque um gentil-homem repudia os que matam seus semelhantes. Ora, se até os pássaros
e os animais
fogem do que não presta, com mais razões não o faria eu?"[2]
Então regressou Confúcio
à aldeia de Tsou, e aí compôs uma peça musical
para instrumento de cordas, intitulada Tsou Ts'eo, em homenagem aos dois
bons ministros mortos.
Daí voltou para Wei, e
parou em casa de Chu Poyu. Um dia o duque de Wei consultou-o sobre tática
militar, e Confúcio lhe respondeu: - "Sei
algumas coisas sobre cerimônias e sacrifícios, mas das ciências da
guerra nada sei." No dia seguinte, enquanto Confúcio falava com o duque, este
casualmente desviou o olhar e fitou os gansos selvagens voando no céu, sem
parecer dar atenção ao Mestre. Por isto Confúcio partiu,
rumo a Ch'en.
No verão desse ano (493
A. C.), o duque morreu, sucedendo-o no trono seu neto Cheh, conhecido como o
Duque Ch'u de Wei. Em junho Chao Yang dera abrigo a Kuei Huei, o primogênito,
em Ch’i. [3] Yang Hu enviou então oito
homens, trajando luto, para dar as boas-vindas a Kuei Huei, fingindo que vinham
buscá-lo de volta ao seu
ducado,
em reconhecimento aos seus direitos; essa delegação carpia à maneira dos funerais,
e em vista disso Kuei Huei permaneceu em Ch'i.
No inverno o Estado de
Ts'ai transferiu sua capital para Choulai. Isso foi no ano terceiro do Duque
Ai, de Lu (492 A. C.), quando Confúcio contava sessenta anos de idade. O Estado
de Ch'i mandou então um exército para ajudar a Wei no cerco da cidade de Ch’i[4], onde estava exilado o
Príncipe Kuei Huei. No verão, o templo ancestral de Huanli incendiou-se e Nankung
Chingshu concitou o povo a conter as chamas. Confúcio encontrava-se em Ch'en,
nessa ocasião, mas ao ter notícia do fato ponderou que certamente o templo ancestral
de Huanli devia mesmo pegar fogo (porque o culto de Huanli era contra as normas
da antiga ordem feudal). Mais tarde verificaram que Confúcio tinha razão.
No verão
o Barão Huan Chi adoeceu e dirigiu-se à cidade de Lu. Ao avistar as muralhas,
suspirou: - "Lu teve possibilidades de tornar-se um Estado forte, mas
infelizmente perdeu-as porque eu ofendi a Confúcio." Voltou-se então para
o seu herdeiro, o Barão K' ang Chi,
e falou: -
"Sei que, quando eu morrer, sereis o primeiro-ministro de Lu; quando o
fordes, chamai Confúcio de novo ao governo." Poucos dias mais tarde
faleceu o Barão Huan e o Barão K'ang o substituiu. Após os funerais, ia ele
fazer vir Confúcio, mas seu irmão Yu falou: - "Nosso finado pai uma vez
conferiu a Confúcio um posto de mando e ele próprio deixou de mandar, dando
assim motivo de riso aos outros duques. Agora, se vais colocá-lo no governo
outra vez e perdes a tua posição, também darás razão de riso aos outros chefes de Estado." "E quem
sugeres, então?" - perguntou o Barão K'ang. "Manda buscar Jan Ch'iu" (discípulo de Confúcio)
- foi a resposta. Saiu então um emissário à procura de Jan Ch’iu. Quando Jan
Ch'iu estava prestes a partir, Confúcio
disse: - "Se
o povo de Lu
convida Ch'iu, há de ser para outorqar-lhe autoridade de fato e não um
pequeno cargo”. E
ainda, nesse dia, falou: - "Vamos, vamos para casa! Os moços de nossa
terra, ou
são
brilhantes e
vagabundos,
ou simples e
esquivos.
O material
é bom, eu preciso
moldá-lo," Tsekung
sabia que Confúcio cogitava desse retorno, e ao despedir-se falou a Jan Ch’iu: -
"Quando te achares no poder, manda buscar Confúcio."
5.Penúria
em Ch’en e Ts’ai
Depois de Jan Ch’iu
haver partido, Confúcio encaminhou-se de Ch'en para Ts'ai, no ano seguinte (491
A. C.) O Duque Chao, de Ts'ai, ia a Wu atendendo a uma convocação do rei. O duque havia mentido previamente a seus vassalos,
ao mudar sua capital para Choulai, e agora que estava de viagem para Wu seus
ministros temiam que ele fosse mudar a capital outra vez; e Kungsun P'ien
atirou no duque e matou-o.
No ano seguinte (490 A.
C.) Confúcio passou de Ts'ai para Yeh (outro pequeno Estado), e o duque de Weh
interpelou-o quanto ao que seria um bom governo. Confúcio respondeu: - "O bom
governo consiste em conquistar a lealdade dos cidadãos próximos e a simpatia
dos cidadãos afastados." De outra feita, o duque indagou sobre Confúcio a
seu discípulo Tselu, que não soube responder. Ao saber disto, Confúcio falou: - "Ah Yu (apelido familiar de
Tselu), por
que não disseste que sou um homem incansável na procura da verdade, que me
esqueço de comer quando me entusiasmo com alguma coisa, esqueço todas as preocupações
quando alegre ou
feliz,
e que não
temo a velhice que vem
chegando?"
Saindo de Yeh, Confúcio
voltou a Ts'ai. Changchu e Chiehni estavam juntos, arando o campo. Confúcio
imaginou que fossem filósofos em retiro, e mandou Tselu indagar qual o caminho
a seguir. "Quem é aquele que vai dirigindo a carruagem?" - perguntou
Ch'angchu. Tselu respondeu: - "Aquele é Confúcio." "É K'ung Chiu, de Lu?" - tornou a indagar
o outro, e Tselu respondeu que sim. "Ora, então ele devia saber o
caminho." E Chiehni perguntou a Tselu: - "Quem sois?" "Sou
Chung Yu." "Discípulo de K'unq Chiu?" Tselu assentiu, e Chiehni disse: -
"Então o mundo está cheio de gente transviada mas sempre a ponto de mudar
o atual estado de coisas? Ouvi ainda: em vez de seguir a quem evita certos
tipos de pessoas, por que não aderir logo a quem evita a sociedade
inteira?" Tselu contou isso a Confúcio, e
o mestre suspirou: - "Pássaros
e animais
[ou os
que tentam imitálos] não
são companhia ideal para nós. Se houvesse uma boa ordem moral no mundo em que
vivemos, por que me preocuparia eu em mudá-le?"
Outro dia Tselu caminhava
pela estrada e encontrou um ancião carregando um cesto de vime, a quem
perguntou: - "Vistes o Mestre?"
O ancião retrucou: - "Quem é o
Mestre? Um homem que não usa os braços e as pernas para trabalhar e que nem
sabe distinguir diferentes espécies de grãos!" E o velho enfiou seu
bastão na terra e pôs-se a mondar o campo. Tselu relatou a Confúcio o que se
passara, e ele conjeturou: - "Deve ser
algum filósofo em retiro." Tselu voltou a procurá-lo, mas já ele havia
desaparecido.
Confúcio andou por T's'ai uns três anos. O país de Wu estava em guerra
contra Ch'en, e Ch'u viera em auxílio de Ch' en (isto foi em 489 A. C.). O exército de Ch'u acampara em Ch'engfu, e ao
terem notícia de que Confúcio estaria em algum lugar entre Ch'en e Ts'ai,
mandaram procurá-lo. Confúcio saiu a apresentar seus cumprimentos. Então os
ministros de Ch'en e Ts'ai reuniram-se para confabular: - "Confúcio é muito hábil. Já descobriu as fraquezas dos
governantes de várias nações. Agora tem estado longamente por aqui e não parece
gostar do que estamos fazendo. Ora, Ch'u é
uma nação poderosa e pretende usar Confúcio; se ele chegar ao poder, em Ch'u,
nossos países ver-se-ão em dificuldades e nós, ministros, estaremos em
perigo." Por isto, mandaram soldados a deter Confúcio pelos arredores. O grupo de Confúcio não tinha meios de escapar, e os
mantimentos começaram a escassear; muitos caíram de cama, enfermos; Confúcio
entretanto continuava a ler, e a cantar acompanhando-se com um instrumento de
cordas, sem alterar-se. Com evidente raiva, Tselu dirigiu-se ao Mestre: - "Também o gentil-homem se vê em dificuldades,
às vezes"
E Confúcio
replicou: - "Decerto,
mas só
o homem
vulgar é
que,
ao se ver em
dificuldades, perde sua personalidade e comete toda sorte de tolices. Tsekung ficou
visivelmente impressionado com essas palavras do Mestre, e ele continuou,
noutro tom: - Ah
Sze, tu imaginas que eu aprendi
uma porção de coisas e as tenho de cor?" E Tsekung: - "Imagino, pois não é verdade?" Confúcio disse: - "Não, o que eu tenho
realmente é
uma
linha mestra que passa através de todos os meus
conhecimentos."
Confúcio ficou então sabendo que seus discípulos
estavam zangados e com o desapontamento na alma; chamou Tselu para dentro e o
interrogou: - "Está
no LIVRO
DOS CANTARES: "Nem
búfalos nem tigres, que erram pelo deserto" (uma comparação com eles
próprios). Achas
errado o
que
eu ensino?
Como é que eu
me coloco, nesta situação?" Tselu respondeu: - "Talvez não sejamos bastante grandes e não tenhamos sabido granjear a
confiança do povo. Talvez não sejamos bastante sábios e o povo não queira
seguir nossos conselhos." Confúcio falou:
- "Pois
é assim?
Ah Yu, se
os grandes
homens pudessem granjear sempre a confiança do povo, por que iriam
Poyi e Shuch'i
para as
montanhas,
morrer de
fome?
Se os sábios
sempre tivessem os seus
conselhos seguidos pelo povo, por que o Príncipe Pikan haveria de suicidar-se?"
Tselu saiu e Tsekung
entrou, e Confúcio disse: - “Ah Sze, está no LIVRO DOS CANTARES: "Nem
búfalos nem tigres, que erram pelo
deserto." Há erro em meus
ensinamentos? Como me
coloco
nesta situação?" Tsekung respondeu: -
"Os ensinamentos do Mestre são
demasiado grandiosos para o povo, e eis por que ele não os segue. Por que não
baixais um pouco das vossas alturas?" Confúcio falou:
“- Ah
Sze, o bom
lavrador semeia o
campo
mas não pode garantir a safra, e o bom
artesão esmere-se no trabalho mas não pode garantir que agradará a seus
fregueses. Eis que não tendes mais interesse em cultivar a vós próprios, senão em serdes
aceitos pelo povo...
receio que não estejais buscando para vós mesmos o padrão
mais elevado."
Tsekung saiu, entrou Yen
Huei e Confúcio lhe disse: - "Ah Huei, está no
LIVRO
DOS CANTARES: “Nem
búfalos nem tigres, que erram pelo deserto." Há erro no que
ensino? Como me
coloco
nesta situação?" E Yen Huei falou: "Os
ensinamentos do Mestre são tão grandiosos... por isto o mundo não os pode
adotar. Não obstante, deveis fazer o possível para divulgar vossas idéias, Que
vos importa se das não são aceitas? O simples fato de não as aceitarem prova
que sois realmente um homem superior. Se a verdade não é cultivada por nós, a
vergonha é nossa; mas se nos dedicamos exaustivamente à pregação de uma ordem
moral e ela não é seguida pelo povo, a vergonha é dos que estão no poder. Que
vos importa isso? O fato de não vos aceitarem mostra que sois um verdadeiro
gentil-homem." Confúcio ficou satisfeito e falou
sorrindo: -
"Pois é
assim?
Ó filho
de Yen, és um homem precioso, eu devia ser teu servo!"
Confúcio enviou então Tsekung a Ch'u, e o Rei
Chao, de Ch'u, mandou um exército socorrer Confúcio, tirando-o
assim de suas dificuldades. O rei ia dar a Confúcio terras medindo setecentos li (propriedades de vinte e
cinco famílias, cada). Um ministro de Ch'u, de nome Tsehsi, comentou: - "Tem Vossa Majestade um diplomata mais hábil
do que Tsekung?". O rei disse que não. "Tem Vossa Majestade um primeiro ministro como Yen Huei?" O rei
disse ainda que não. “Tem Vossa Majestade
um general tão bom quanto Tselu?” De novo o rei negou. “Tem Vossa Majestade um administrador como
Tsai Yu?" Outra vez o rei disse que não. E o ministro prosseguiu: - "No entanto, o antepassado dos governantes deste
país recebeu aqui a categoria de barão e originalmente suas terras mediam
apenas cinqüenta li
[li, cerca de um terço de milha]. Agora vem Confúcio,
que leva o tempo todo a falar nos antigos
regimes dos Três Grandes Reis e na tradição moral do Duque Chou e do Duque Shao...
Como esperais que o nosso país continue a dominar milhares de milhas quadradas,
de geração a geração, se Confúcio conseguir pôr em prática a sua utópica ordem
social?
O Rei Wen surgiu da cidade de Feng e seu
filho, o Rei Wu, surgiu da cidade de K'ao, começando com um território de cem li apenas, mas acabaram por fundar um império sobre toda a
China. Não acho que seja bom para o nosso país dar terras a Confúcio,
com tão hábeis discípulos a assisti-lo." Isto mudou
completamente a disposição do rei.
No outono desse mesmo
ano (489 A. C.), o Rei Chao morreu em Ch'engfu. Havia em Ch'u um louco, chamado
Chiehyu, que ao passar por Confúcio cantarolou assim:
Ó fênix! Ó fênix!
Que houve com o teu
caráter?
Seja passado o que passou,
Mas concerta o que está
por vir,
Pobre de mim! Meus
sentimentos
Aos reis que existem por
aí!
Confúcio desceu da carruagem para falar com o
doido, mas ele fugiu correndo e assim o Mestre não pôde conversar. Então voltou
Confúcio, de Ch'u para Wei. Era o ano quinto do Duque Ai, de Lu (ainda 489 A.
C.), e Confúcio tinha sessenta e três anos de idade.
6.Outros anos de andança
[488 -84]
No ano seguinte (488 A.
C.) Wu e Lu promoveram uma conferência e cem reses foram levadas ao altar dos
sacrifícios (sendo esse um número exorbitante e contra as formalidades da ordem
feudal confuciana). O Ministro Pi de Wu, pediu ao Barão K'ang Chi para
representar Lu, e, não querendo ir, o barão esquivou-se enviando Tsekung em seu
lugar. Já Confúcio havia dito que os povos Lu e Wei eram primos (tendo sido
irmãos os respectivos ancestrais); agora o sucessor do trono de Wei permanecia
fora de sua terra, sem meios de estabelecer-se no país, e governantes das
várias províncias andavam constantemente a cogitar de possíveis empreitadas.
Confúcio tinha então muitos discípulos no governo
de Wei, cujo monarca almejava conseguir os serviços do próprio Confúcio. Tselu
perguntou, uma vez: - "Se o governo
de Wei vos chamasse ao poder, como havíeis de principiar?" Confúcio explicou: -"Começaria
por estabelecer o
correto
uso da terminologia" (relativa a castas e títulos). "Deveras?" - retorquiu
Tse lu, e continuou: - "Sois
esquisito e pouco prático! Para que firmar a terminologia?" E Confúcio falou de novo:
- "Ah
Yu, como és ingênuo! Se a terminologia não é correta,
as coisas ditas perdem todo o sentido;
se o que se diz não tem sentido, as
ordens não podem ser cumpridas; se não se cumprirem as ordens, as normas
próprias do culto e da sociedade
(no ritual e na música) não se podem restaurar: se não se restauram as normas sociais e religiosas, falirá a justiça
das leis [5]:
quando
falha a justiça legal a gente se perde sem
saber o que faça ou deixe de fazer. Quando um gentil-homem faz alguma coisa, há de estar certo quanto à sua
exata representação por palavras, e quando
expede uma ordem, há de estar
certo de que essa ordem poderá ser cumprida
sem tergiversações. Um gentil-homem nunca emprega indiscriminadamente a terminologia."
No ano seguinte (484 A.
C.)[6]
Jan Ch’iu, então
administrador assistente no governo de Lu, dirigiu o exército do Barão K'ang Chi
contra Ch’i e saiu vitorioso na batalha de Lang. E o Barão K'ang perguntou a Jan Ch’iu: - "Como chegastes a aprender a ciência da
guerra? Através de estudos ou por temperamento?" Jan Ch’iu respondeu:
"Aprendi com Confúcio."
Indagou o barão: - "E que espécie de homem é
Confúcio?" Jan Ch’iu falou: - "Se
o colocásseis no poder, sua reputação haveria de impor-se imediatamente.
Poderíeis aplicar ao povo os seus ensinamentos ou apresentá-los aos
deuses, e nem os deuses achariam defeitos neles.
Tudo o que ele almeja é levantar um país à condição de perfeita ordem moral.
Ainda que lhe désseis poder sobre 25.000 famílias, ele jamais abusaria disto em
proveito próprio."
"Devo convocá-lo?" ,.-
inquiriu o barão. E Jan Ch'iu replicou: - "Não, convocar
não - seria indelicado tratá-lo como a qualquer
um; devíeis combinar
com ele a sua vinda." Sucede que K'ung
Wentse, de Wei, ia atacar T'aishu, e pediu a Confúcio conselhos táticos;
Confúcio declinou polidamente, alegando nada saber do assunto. Após a
entrevista, Confúcio preparou sua carruagem para partir, dizendo: - "Um
pássaro pode escolher a árvore
para morar, mas a
árvore
não pode escolher o
pássaro."
K'ung
Wentse procurou, ainda assim, persuadi-lo a ficar. O Barão K' ang Chi despediu
Kung Hua, Kung Pin e Kung Lin, e enviou presentes a Confúcio em sinal de
boas-vindas:
7.Trabalhos de
Ilustração e hábitos pessoais de Confúcio
O Duque Ai, de Lu,
consultou-o sobre questões de governo, e Confúcio respondeu: - "O segredo
de um governo
está em
escolher
bem seus ministros." O
Barão K'
ang consultou-o sobre questões de governo, e Confúcio respondeu: - "Ponde
homens corretos no poder e usei-os
como exemplos para os incorretos, e os incorretos hão de voltar à correção
[8] ." O Barão K'ang
mostrava-se preocupado com bandidos e ladrões que infestavam o país, e Confúcio lhe disse: ,.- "Se de vossa
parte não gostais de
dinheiro,
podeis distribuí-lo aos ladrões, e eles não o terão de roubar."
Mas afinal, nem o governo
de Lu achava meios de elevar Confúcio ao poder, nem ele próprio parecia desejoso
de colocação oficial. Por esse tempo declinara o poderio dos imperadores Chou,
as formas de procedimento social e religioso ("ritual e música")
haviam degenerado, o estudo e a ilustração estavam em decadência. Confúcio
pesquisou o cerimonial religioso e os documentos históricos das três dinastias
(Hsia, Shang e Chou), e configurou os acontecimentos desde os imperadores Yao e
Shun até à época do Duque Mu, de Ch’in, numa disposição cronológica. E certa
vez comentou:
-
"Eu seria capaz de falar sobre a ordem feudal (li ou "ritual") de Hsia,
mas não há bastantes costumes remanescentes na cidade de Chi (governada pelos
descendentes dos Hsia). Eu seria capaz de discutir a ordem
feudal da Dinastia Shang (notoriamente governada por sacerdotes), mas não
há bastantes costumes remanescentes na cidade de Sung (governada pelos
descendentes dos imperadores Shang). Se houvesse bastantes vestígios
eu seria capaz de evidentemente reconstituir tudo." Fez um levantamento das
alterações nos costumes entre as dinastias Hsia e Shang, e, depois de observar
como se modificaram tais costumes com a Dinastia Chou, falou: _ "Posso
até predizer como será o desenvolvimento
da História, por uma centena de gerações," Verificou que certa
dinastia (Shang) representava uma cultura rica em formalidades cerimoniais, que
outra (Hsia) representava uma cultura de vida simples, e que a Dinastia Chou
combinara e mesclara as duas culturas precedentes de maneira equilibrada e
perfeita; e assim decidiu escolher por ideal a cultura Chou"[9]
Nesse sentido preparou Confúcio uma série de obras históricas (por
exemplo, o atual LIVRO DA HISTÓRIA) e profusa documentação sobre Etnologia e
costumes antigos.
Discutindo música, com o
Grande Mestre de Música, de Lu, disse uma
vez: -
"Os princípios da Música devem ser conhecidos. Uma
execução deveria começar tranquilamente: desdobrando-se em perfeita
harmonia e
clareza,
e afinal
culminando pela continuação ou repetição do tema. Noutra ocasião disse
também: - Depois
de meu regresso, de Wei a Lu;
tornei-me capaz de restaurar a tradição musical e classificar
a música
de sung [partituras
cerimoniais] e ya
(música
clássica de Chou ) , e de restituir aos cantares as respectivas
melodias originais . Na
antigüidade havia mais de três mil cantares, mas Confúcio eliminou as
duplicatas e selecionou os que se apresentavam com boa forma[10]. A coleção começava com
os cantos de Ch’i e Houchi [ancestrais mitológicos dos imperadores Chou],
cobria todo o largo período dos reis Shang e Chou, e estendia-se até à época
dos tiranos Yu e Li. Abre-se
com um cantar de amor conjugal, e a propósito se diz: "a canção Kuanchih
abre a série
de Fenq,
Luming abre
a série do Pequeno Ya,
Wenwang abre
a série do Grande Ya,
e Ch'ingmiao
abre a
série de Sung."
Confúcio cantava, ele próprio, as trezentas e
cinco canções, tocando as respectivas músicas num instrumento de cordas, para
verificar sua adequação aos tipos hsieo, wu, ya e sung. Graças aos seus esforços
a tradição da música e dos rituais antigos foi assim salva do esquecimento e
transmitida à posteridade, como elementos auxiliares na realização do ideal
confuciano que visava um governo de reis e o ensino das "Seis Artes".[11]
Confúcio, velho,
sentiu-se atraído para o estudo do Yiking, ou LIVRO DAS MUTAÇÕES -
com o seu Prefácio,
T'uen, Hsi,
Hsienq, Shuokue
e Wenyuan.
Leu o
YIKING a ponto de puir-se o couro (que unia as inscrições de bambu), que teve de
ser mudado três vezes: e ele só dizia: - "Dei-me alguns anos mais
para estudar o YIKING, e então
eu ficarei conhecendo bem o sentido
da mutação nos fenômenos humanos."
Confúcio lecionava poesia, história, cerimonial e
música, a 3.000 alunos - dos quais 72, como Yen Tut sou, dominavam as "Seis Artes" (a
referência é certamente às "Seis Clássicas"). Grande número de pessoas
vinha estudar com ele.
Confúcio ensinava quatro tipos de coisas: literatura,
conduta humana, autenticidade pessoal, e honestidade nas relações sociais.
Condenava (ou tentava por todos os meios evitar) quatro coisas: arbitrariedade
de opiniões, dogmatismo, estreiteza de espírito, e egotismo. Mostrava interesse
e cuidado com respeito a três circunstâncias: o banho cerimonial (na preparação
para os cultos), a guerra e a enfermidade. Raramente falava sobre lucros,
desígnios do Céu ou destino ou fatalidade ou sobre o "homem de
verdade". Se um indivíduo não se
mostrava profundamente inclinado ou determinado a encontrar a verdade. Confúcio
não tentaria explicar e estimular-lhe o pensamento; se lhe dizia uma quarta
parte do que teria a dizer e esse
indivíduo,
por si mesmo, não chegasse a perceber as três quartas partes restantes. Confúcio
não tornaria a ensinar-lhe coisa alguma.[12]
Em sua vida privada[13], na aldeia onde nascera
ou com a sua gente, era gentil e cordial - como alguém que não era de muito
falar e que entretanto, nos lugares de culto público e nas cortes, mostrava-se
loquaz, escolhendo minuciosamente as palavras. Na corte, falava serenamente,
respeitoso para com os superiores e quase afável para com os subalternos. Ao
entrar num recinto público, era seu costume curvar-se e logo avançar rápido
para a frente. Quando lhe chegava um mensageiro do rei, assumia um ar grave; e
quando um rei o convocava, ia sem esperar pela carruagem. Quando a carne ou o
peixe não estavam frescos, ou quando não eram bem cortados, Confúcio não os
comia. Quando a esteira não estava bem estendida, ele não se sentava. Em
companhia de pessoas de luto, jamais comia até locupletar-se: e se havia de
chorar (em cerimônias fúnebres), não cantava no mesmo dia. Ao avistar pessoas
enlutadas ou quando passava por algum cego, alterava-se-lhe o semblante, ainda
que se tratasse de uma criança. "Nunca saí a passeio com
três pessoas sem achar que pelo menos uma delas tivesse algo a ensinar-me"
-
dizia. E ainda:- "As coisas que me
preocupam e
temo,
são: que eu me tenha esquecido de aperfeiçoar o meu
caráter, que eu tenha negligenciado meus estudos, que eu não tenha sido capaz
de seguir o
caminho
certo percebido por mim, e que
eu não tenha sido capaz de corrigir meus próprios erros." Quando ouvia um homem
cantar, e gostava, pedia-lhe que repetisse, e então fazia ouvir também a sua
voz nos estribilhos. Recusava-se a falar e discutir sobre mitologia, proezas
físicas exibicionistas, pessoas insubordinadas, e espíritos sobrenaturais.[14]
Sobre Confúcio, disse
Tsekung: - "O Mestre ensinava-nos literatura e ilustração: isto pôde-se
aprender com ele, o que não se pôde aprender com ele, o que não nos ensinou,
foi o que pensava sobre a Natureza (ou o Céu) e seus desígnios." Yen Yuan,
ou Yen Huei, suspirava e fabulava: - "Levantais a cabeça e o fitais, e ele
vos parece altíssimo; tentais penetrá-lo e parece duríssimo; dá a impressão de
estar à vossa frente e de repente o tendes atrás de vós. O Mestre é muito bom,
disposto sempre a conduzir e ensinar alguém. A mim ensinou a tornar-me maior,
lendo boa literatura, e a controlar-me pela observância da conduta adequada.
Dou-me por encaminhado, mas depois de ter feito o máximo que podia e
desenvolvido o que havia de melhor em mim, algo ainda o Mestre reserva que eu
não consigo apreender. Por mais que eu faça para chegar à sua condição, não há
meios." Um moço de Tahsiang chegou a dizer: -
"Grande é Confúcio! Tudo sabe, e em nada se
especializa." Ao ter conhecimento disso, Confúcio ponderou: - "Em
que me hei de especializar? Em manejar arco e flecha, em guiar carruagens?” Tselu falou: - "De si próprio, o que Confúcio
diz é que não ingressou no governo e assim teve tempo bastante para estudar as
diferentes artes e a literatura."
Na primavera do ano
décimo quarto do Duque Ai, de Lu (481 A. C.), houve uma caçada; e o guia do
Barão Shusun, de nome Chushang, pegou um estranho animal que foi tomado como
sinal de má fortuna. Confúcio viu-o e declarou que era um unicórnio, e então
levaram o animal para casa[15]. E Confúcio falou: “Ai de mim! nenhuma tartaruga
ostentando mágicos anagramas apareceu no Rio Amarelo, nenhum sinal sagrado
tampouco saiu do
Rio
Lo... Acabou-se!” [16]
Quando
morreu Yen Huei, Confúcio disse: - "Vejo que o Céu vai
tirar de
mim
a minha missão." E
ao ver o
unicórnio, durante aquela caçada, falou: - Isto é o fim!",
e
suspirou, terminando: .- "Não há no mundo quem me compreenda." Ouvindo-o, Tsekung o interpelou:
- "Por que dizeis que não há quem vos compreenda?”. E Confúcio respondeu: "Não
culpo o
Céu,
nem culpo a Humanidade... O que
tenho feito é
o máximo
que posso para adquirir sabedoria e atingir a um ideal mais elevado.
Talvez somente o Céu me compreenda!"
A respeito de Poyi e Shu
Ch’i, Confúcio disse não haverem eles comprometido seus princípios e assim não
se haviam desgraçado (eram sábios de fama, vivendo como reclusos); sobre
Liushia Huei e Shaolien, disse que haviam comprometido seus princípios e se
haviam desgraçado; sobre Yuchung e Yiyi, disse que haviam levado vida retirada
e em elevadas palestras filosóficas mas que todavia não eram realistas e
haviam-se adaptado às circunstâncias, conforme o princípio da utilidade. "Mas
eu sou diferente de todos esses: decido de acordo com as circunstâncias de cada
momento, e
procedo
melhor" (literalmente:
"nem pode,
nem não
pode").
Confúcio disse: - "Isto
não pode ser! Isto não pode ser! Um gentil-homem peje-se de morrer sem haver
realizado alguma coisa. Acho que não conseguirei chegar
ao poder para pôr em
prática
meu ideal de governo. Que conta darei de mim, aos olhos da posteridade?" Por isso escreveu
PRIMAVERA E OUTONO (crônicas), com bases nas
histórias existentes, a começar do Duque Yín (722 A. C.) até o ano décimo quarto
do Duque Ai (481 A. C.), abrangendo assim os períodos de governo de doze duques
(De Lu). Adotou, ao escrever, a posição de Lu , mas procurou respeitar os
imperadores Chou, reportando-se à Dinastia Shang e observando as transformações
de sistema verificadas nas Três Dinastias. Exprimiu-se em estilo conciso mas
prenhe de sentido. Eis por que, embora os governantes de Wu e Ch'u se outorgassem o título de "reis", em
PRIMAVERA E OUTONO encontram-se rebaixados
de categoria e são citados apenas como "barões". Em certa ocasião, o
imperador foi realmente intimado pelos duques a comparecer: mas em PRIMAVERA E
OUTONO, esforçando-se por dar melhor aparência aos fatos, Confúcio escreveu que
"o celestial
Imperador veio
caçar
em Hoyang..."
Palavras distintas assim
eram usadas, implicando aprovação ou reprovação do autor às práticas do seu
tempo, na esperança de que futuramente surgisse um grande rei que abrisse o seu
livro e adotasse os princípios ali inscritos, para vergonha e exemplo dos soberanos
desordeiros e rapaces. Quando tinha função oficial, Confúcio estudava os processos e documentos de
cada caso, com seus colegas, e ouvia-lhes as opiniões, jamais impondo as suas
próprias; mas ao redigir PRIMAVERA E OUTONO fê-lo exatamente como lhe parecia
melhor, e os discípulos como Tsehsia não mexiam uma palavra. Ao apresentar a
obra a seus discípulos, Confúcio
disse: - "As
gerações vindouras me compreenderão através de PRIMAVERA E OUTONO, e por PRIMAVERA E OUTONO me hão de julgar."
8.Morte (479 A. C.) e
posteridade
No ano seguinte (480 A.
C.) Tselu morreu, em Wey. O próprio Confúcio caiu
doente, e Tsekung veio visitá-lo. Encontrou o Mestre passeando devagar perto da
porta, apoiado a uma bengala, e ouviu-o dizer: -
"Ah Sze, por que tão tarde vieste?" E suspirou Confúcio, e
cantou:
Ah! O T'
aishan (monte)
se
desmorona!
O pilar está caindo!
O filósofo
vai passando!
Então verteu lágrimas e
falou a Tsekung:
-
"Por muito tempo o mundo
tem vivido em confusão e nenhum
governante foi capaz de seguir-me. O povo da Dinastia Hsia guardava
seus caixões mortuários, antes do enterramento, sobre os degraus
de leste (do pátio chinês); o povo da
Dinastia Chou guarda-va-os sobre os degraus de oeste, e o povo da
Dinastia Shang guardava-os entre duas pilastras (na área principal). Esta
noite sonhei que estava sentado entre as duas pilastras, fazendo uma libação.
Talvez porque eu seja um descendente dos Shangs," Sete dias depois faleceu,
aos setenta e três anos de idade.[17]
Foi no dia chich'ou
de
abril, no ano décimo sexto do Duque Ai (479 A.
C.)
Aos funerais de Confúcio
o Duque Ai enviou um orador, que em seu nome assim falou: - "Ai de mim! O
Céu não tem pena de mim e não me poupou o Grande Ancião. Deixou-me, coitado,
sozinho e ao desamparo ante a nação, e eis que
sou agora um homem enfermo. Ai de mim, Pai Ni! (ou Chung Ni, o nome de
Confúcio). Grande é a minha dor! Não vos esqueçais de mim!" (literalmente:
"não cuideis apenas de vós"). E Tsekung observou: - "Pois Confúcio não morreu no país de Lu?”
(Confúcio não estava no poder, apenas por culpa do duque.) O Mestre disse que "quando
não se cumprem
a rigor as cerimônias, as coisas entram em desordem; e quando
as palavras são usadas incorretamente,
andam as coisas fora dos lugares. Desordem significa que o homem
perdeu seus princípios morais, e fora dos lugares também
significa que o
homem
não tem o
que
merece" (ou não se acha na posição justa).
Enquanto o Mestre vivia o duque não o quis empregar, e esperou que ele morresse
para mandar rezar em seus funerais, o que não tem cabimento. Ao referir-se a si
próprio como um "coitado" aplica, outrossim, erroneamente a
terminologia."
Confúcio foi inumado em
Lu no Rio Sze, ao norte da cidade. Seus discípulos guardaram, todos, o luto de
três anos, ao fim dos quais despediram-se uns dos outros e afastaram-se,
chorando outra vez sobre o túmulo do Mestre antes de partirem definitivamente.
Alguns ficaram ainda, mas só Tsekung demorou seis anos, numa choupana junto ao
túmulo. Umas cem famílias, de discípulos de Confúcio e nativos de Lu vieram morar
nas imediações e ali surgiu assim uma aldeia conhecida como K'ungli, ou
"Vila K'ung". Durante várias gerações, nas épocas próprias, sacrifícios
eram oferecidos no Templo de Confúcio, e os Confucionistas realizavam debates
acadêmicos e festivais populares, inclusive torneios de arco, no recinto do
túmulo. O mausoléu tinha de área um mow (cerca de um sexto de
acre), e bem podia acolher os discípulos em seus salões. Os pertences pessoais
de Confúcio, mantos, boinas, instrumentos de música, veículos e livros, foram
conservados no Templo Confuciano, por gerações sucessivas. Assim aconteceu
durante mais de dois séculos, até a época do primeiro imperador da Dinastia Han
(desde 206 A.C.), o qual fazia culto a Confúcio com grandes oferendas (de
vacas, ovelhas e suínos - altos sacrifícios). Sempre que chegavam magistrados e
príncipes, antes de entrarem no exercício de suas missões lá iam render homenagem
a Confúcio em seu Templo.
Confúcio gerou a Li, aliás Poyu, que faleceu antes
dele, aos cinqüenta anos de idade; Poyu gerou a Ch’i, aliás Tsesze, que uma vez
foi preso em Sung e que escreveu HARMONIA CENTRAL, falecendo aos 62 anos;
Tsesze gerou a Po, aliás Tseshang, que morreu aos 47; Tseshang gerou a Ch’iu,
aliás TseChia, que morreu aos 45; Tsechia gerou a Ch’i, aliás TseChinq, que
morreu aos 46; Tseching gerou a Ch'uan, aliás Tsekao, que morreu aos 51; Tsekao
gerou a Tseshen, que uma vez foi ministro de Wei, e morreu aos 57; Tseshen
gerou a Pu, que morreu em Ch'en aos 57, tendo sido poshih (doutor ou professor de
certas Artes Clássicas) durante o reinado de Ch'en Sheh; o irmão mais moço de
Pu, Tsehsiang, que morreu aos 57, serviu uma vez como poshih sob a gestão imperial de
Hsiaohuei (de Han) e também foi magistrado de Ch'anqsha, media nove pés e seis
polegadas de altura; Tsehsiang gerou a Chunq, que morreu aos 57; Chung gerou a
Wu; Wu gerou a Yen-nien e Ankuo; Ankuo
foi poshih
no tempo
do último imperador, e uma vez foi magistrado em Linhuai, morrendo jovem; Ankuo
gerou a Ang, e Ang gerou a Huan.
Escreve o Historiador
Mestre[18]
*: "O LIVRO DOS CANTARES diz que “Alta é
a montanha que contemplo e brilhante o exemplo que temos a seguir! Ainda que
não possa alcançar o
cume,
salta para ele o
meu
coração." Ao
ler os livros de Confúcio, eu imaginava como seria ele
em aparência. Em visita a Lu, vi as carruagens, as roupas e os vasos sagrados
que se exibem no Templo; e observei como os estudiosos de Confúcio adquiriam o
conhecimento histórico no próprio local onde ele habitara, e por ali fiquei sem
poder afastar-me. Tem havido muitos reis, imperadores e grandes homens na
História, os quais desfrutaram em vida honrarias e fama, e ao morrer ficaram
sendo nada, enquanto que Confúcio, um letrado comum,
trajando modesta roupa de algodão, passou a ser reconhecido o Mestre dos mestres,
por mais de dez gerações. Toda a gente que na China é versada nas artes, desde
os imperadores e reis e príncipes até os de mais baixa categoria, todos veem o
Mestre como autoridade máxima."
[1] A mãe de Confúcio
chamava-se Yen Chentsai. A
designação para união "extraconjugal", nos originais é
"campestre" ou "agreste", provàvelmente significando união
realizada no campo. Alguns comentaristas procuram explicá-lo dizendo que a
qualificação "agreste" apenas exprime que a união conjugal não se
cumpriu de acordo com as normas usuais, tendo-se o pai de Confúcio unido àquela
jovem após os' seus sessenta e quatro anos, depois de haver desposado outra
mulher da qual tivera nove filhas e nem um filho varão. A explicação parece
arbitrária.
[2] Vai isto em flagrante contradição com o
que disse Confúcio pouco antes, quando queria ir a Chungmou. A natureza humana
é assim prenhe de contradições, de fato, mas os comentaristas confucianos não
as querem admitir na vida do Mestre. Em todo caso a observação de Confúcio, de
que não podia "ficar
sem comida" "como
uma cuia seca", naquela passagem, deve ser
entendida como piada. Os esforços feitos no sentido de harmonizar as atitudes
do Mestre, nos dois casos, resultariam inúteis.
[3] O primogênito fôra privado de seu
direito de sucessão ao trono do ducado pelas intrigas da famosa Rainha Nancía,
que teve assim o seu protegido a substituir o duque morto.
[4] A cidade de Ch'í não era o Estado de
Ch'í, e os dois nomes são grafados diferentemente em chinês.
[5] Esta passagem ilustra plenamente o
sentido confuciano dado ao "ritual e música" e demonstra como é
impróprio traduzir-se a expressão chinesa li apenas
como "ritual e música". A conexão lógica entre ritual e música, como
usualmente se interpretam esses termos, e a aplicação da justiça legal, não
pode ser estabelecida a menos que se amplie o seu significado de maneira a
atingir também princípios de ordem social ["normas próprias do culto e da
sociedade"]. Filosoficamente, o que se quer aqui significar é que, se a
ordem social e moral básica não se restauram, e os hábitos mentais do povo não
se estabelecem, é uma leviandade esperar que a ordem e a paz social se façam
mediante a simples punição dos infratores das leis.
[6] Há certa confusão quanto aos dados
cronológicos neste ponto, mas a evidência indica que o fato se deu no ano 484
A. C.
[7] De fato, 13 anos. Os mapas cronológicos
compilados pessoalmente por Szema Chien dão como data de partida o ano 498 A.
C., o que contradiz seu próprio texto.
[8] Eis um aspecto da importante teoria
confuciana do governo pelo exemplo.
[9] Confúcio elaborou então um sistema ideal
de sociedade e rituais e música e cerimônias, seguindo de perto o modelo Chou
(1122-222 A. C.), intermediário entre a simplicidade de Hsia (2205-1784 A. C.)
e o sistema elaborado de Shang (ou Yín, 1783-1123 A. C.) Isto foi apresentado
no livro CHOULI, que se teria atribuído ao Duque Chou, quando fundara a
Dinastia Chou, segundo a escola da "versão antiga". A "versão
moderna", entretanto, encara o texto do CHOULI atual como uma impostura, e
afirma 'assim que Confúcio foi mistificador ao tentar incutir autoridade
histórica aos seus próprios conceitos, subscrevendo-os pelo Duque Chou para
lhes dar encanto. A base
dessa versão moderna" é "A
Ordem do Rei", Capítulo X do LI-KI, onde se esboça um sistema
governamental completo.
[10] O LIVRO DOS CANTARES, editado por Confúcio, apresenta
agora quatro categorias musicais: 1 – sung; 2
- grande ya, 3 - pequeno ya, e 4 - o fenq, música
folclórica distribuindo-se conforme os países de origem. A não
ser quanto a melodia, quase nenhuma diferença pode encontrar-se entre as suas
varias categorias no que toca ao texto. Confúcio incluiu bom número de cantares de amor,
versando sobre encontros furtivos de amantes, fugas e raptos, que por si só
representam maravilhosa poesia mas que sempre escandalizaram um pouco os
críticos.
[11] As seis cátedras de estudo existentes no
tempo de Confúcio: cerimonial, música, arco e flecha, condução de veículos,
leitura e matemática - também mencionadas apenas como as "Seis Clássicas”.
[12] Esta última afirmação é inteiramente
incorreta, pois Confúcio vivia falando sobre o homem de verdade; só quando se
esperavam exemplificações de "homem de verdade", com pessoas vivas, é
que ele costumava recusar. Expressões como gentil-homem, homem de verdade e
"homem de fato" naturalmente podem tornar-se correntes, sem que
ninguém as possa definir. Quem poderá explicar o que seja "verdadeira humanidade"?
Sócrates falava em “conhecer a si próprio", mas nem os filósofos nem os
homens comuns jamais chegarão a um acordo sobre o que há de ser esse "si
próprio".
[13] Os dados, bem como as diversas citações
inclusas deste Capítulo são evidentemente extraídos dos ANALECTOS. A maioria
das citações é facilmente identificável, embora nem sempre coincida
literalmente com aquele texto.
[14] Confúcio tinha um profundo senso de
religião e um respeitoso temor dos deuses, os quais francamente declarava
jamais poder conhecer. De qualquer modo, era respeitosamente inclinado a
cerimônias e cultos religiosos, e orava também, não com palavras, mas
aparentemente por sua atitude silenciosa; quando se viu enfermo e um de seus
discípulos pediu-lhe ir ao templo e orar, Confúcio respondeu que já estivera
muito tempo orando. Por outro lado, não acreditava que as preces tivessem
atendimento, como o entendem os beatos, pois dizia: _ "O homem
que cometeu pecado contra o
Céu, não tem
lugar nem deus a quem orar." Daí
se infere certamente que ele acreditava na prece, mas em outras circunstâncias,
e a eficácia dessa comunhão espiritual estaria para ele em pôr o coração humano
em harmonia com as leis de Deus.
[15] Os anais de Confúcio, PRIMAVERA E
OUTONO, nesse ano terminam, e costuma dizer-se que o livro terminou com a
aparição de um unicórnio, sinal do aparecimento de um sábio.
[16] Segundo a tradição, a aparição de coisas
tais havia de ser considerado augúrio do aparecimento de um filósofo-rei.
[17] Setenta e dois, pela
contagem inglesa.
[18] Szema Chien era cronista oficial da Corte
de Han, descendendo de uma família que mantinha essa posição. T'ai-shih kung; ou "Historiador Mestre", é o
seu título oficial, No fim de cada biografia, em seu Shi-ki, ele apresenta geralmente um breve
comentário de apreciação ou crítica ao caráter da pessoa biografada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.