O Surgimento da Iconografia Budista Chinesa


Quando fazia meu pós-doutorado em 2012, surgiu a ideia de construir um pequeno livro sobre o surgimento da iconografia budista chinesa, centrado principalmente nas grutas de Yungang – lugar onde teriam surgido as primeiras experiências originais, no campo artístico, de uma iconografia sino-budista. O texto teria uma linguagem acessível, e sua narrativa seria entremeada de uma visão do passado – o mundo de Índia, China e Roma, num longo quadro histórico – com o momento em que surgiram as primeiras discussões Ocidentais sobre a arte budista, no início do século 20. Assim, faríamos um jogo de vai-e-volta, quebrando a narrativa linear do tradicional texto científico.
Acabei construindo um artigo científico, mais cabível ao perfil do pós-doutorado, e os textos a seguir ficaram de lado. Recentemente, me interessei por relê-los, e pensei que o objetivo inicial – uma divulgação vulgarizada, de linguagem solta – estava bem próximo do material produzido. Acabou que saiu um pequeno livro, ou um longo artigo [até agora não me decidi sobre esse perfil] que doravante publico, para a apreciação do leitor.
A leitura acompanha, pois, o surgimento do Budismo [de maneira a introduzir esse movimento intelectual e filosófico], sua inserção num longo quadro histórico, e o surgimento de suas representações artísticas. Ao mesmo tempo, veremos o processo de investigação dessa arte, iniciada na França, e carregada das tensões que atravessam o estudo dos campos religiosos. O Budismo, em minha opinião, escapa divertidamente das classificações, conceitos e categorias tradicionais das Ciências Humanas ‘ocidentais’. Por si só, sua história mostra a capacidade inequívoca do ser humano de ir além, de não quedar-se parado no mundo, fazendo com que desde a antiguidade as trocas culturais e filosóficas acontecessem de um extremo ao outro do mundo. É disso que quero dar essa pequena introdução, sem pretensões de texto pesado ou definitivo, mas calcado em estudos arqueológicos e históricos que nos mostram o quão rico era o mundo antigo, em seu fértil intercâmbio de idéias.


Parte 1: Budismo - o ponto de partida

Nosso ponto de partida, inevitavelmente, é o surgimento do Budismo. Não se pretende aqui examinar detalhadamente a vida de Buda; o que faremos é uma introdução a certas questões concernentes ao Budismo como movimento religioso, que permitiram o surgimento dos mecanismos de diálogo intercultural que nos interessam. São esses mecanismos que, gradualmente, ajudaram a formular as regras do cânone iconográfico budista, e permitiram o desenvolvimento de um padrão de representação flexível e adaptável. Buscaremos delinear o processo pelo qual o Budismo ganhou características próprias em relação ao Hinduísmo, e de como essas peculiaridades se tornaram o centro das manifestações expressivas budistas.
Rastrear o surgimento do Budismo é uma tarefa relativamente complicada. Quase todo o material de que dispomos é da própria tradição budista, não restando muita coisa fora dela. O desinteresse pela história material, próprio da cultura hindu tradicional, dificulta sobremaneira a localização espaço-temporal de certos eventos na antiguidade (Bueno, 2009). A história do Budismo não escapou a esse fenômeno, embora desde cedo os budistas tivessem se preocupado em criar um cânone de escrituras próprias – a chamada ‘Tripitaka’.[1]Mesmo assim, grande parte dessas narrativas se aproxima mais do que entendemos ser uma literatura de contos, lendas e parábolas. Não há uma estrutura cronológica definida, nem seqüência de acontecimentos. São histórias cujo sentido moralizante está contido ao fim de cada texto. Com exceção de algumas passagens em que Buda fala de si mesmo, quase toda literatura budista é filosófica. Os textos mais ‘históricos’ dos budistas, chamados de ‘Jatakas’, também nos servem muito pouco: elas contam lendas sobre as vidas de Buda antes de encarnar como Sidarta. Assim sendo, reconstruir a história do Budismo é, em grande parte, um processo especulativo, que depende em muito de uma profunda exegese dos textos e do suporte indispensável das evidências arqueológicas.

Surgimento
O surgimento do Budismo está situado em algum momento do período compreendido entre os séculos -6 a -4 (Bareau, 1950 e Valée-Poussin, 1950, p.237-255).[2] É um período longo, e sem uma literatura histórica própria (Kulke, 1998, p.47-51). A Índia hindu não se atinha ao problema da datação ou da cronologia de maneira precisa. A preocupação fundamental do hinduísmo védico dessa época era a libertação do Maya (conceito que significa a ‘Ilusão da matéria’), que prendia os seres humanos num ciclo infindável de reencarnações na existência física. A prisão do mundo material, causada pelos erros morais (entendidos sinonimicamente como ‘espirituais’) gerava o ‘karma’, conceito que representava o nível de evolução da alma. Quanto maior o karma (a quantidade de provas espirituais acumuladas), maior o tempo e o número de reencarnações no mundo material para expiá-las. A extinção do karma, portanto, era o objetivo fundamental da existência do indivíduo nessa cultura. Ora, isso envolvia desprender-se da ‘matéria’, do mundo físico. Assim sendo, fazer história, tal como entendemos, era um processo absolutamente sem sentido para os indianos da época. Conquanto a especulação religiosa e filosófica fosse valorizada, a história era sumamente desprezada. A escrita de um manual de história seria considerada meramente uma repetição enciclopédica dos erros humanos no mundo material, o que não necessariamente ajudaria na evolução da alma. Por essa razão, o mais próximo que os indianos tinham do que entendemos ser ‘história’ eram os seus ‘puranas’, que tais como os jatakas, compreendiam fábulas de fundo moral, mas sem uma necessária organização cronológica. Pode-se afirmar sem dúvida de que o senso histórico indiano firmou-se num estágio literário similar, em termos de estilo e conteúdo, ao de Homero ou Hesíodo; ele estava intimamente atrelado a preocupação religiosa que o hinduísmo mantinha viva (Panikkar, 1973 e Bueno, 2009).
Por essas razões, é preciso vasculhar toda essa literatura épico-religiosa para tentar reconstruir um possível quadro histórico da época. O que forneceremos, pois, são os elementos básicos de uma narrativa que se consolidou, na indologia moderna, como ‘adequada’ para explicar as origens do Budismo.
A história tradicional começaria em Sidharta Gautama, príncipe que teria vivido no século -6 na cidade de Kapilavastu, hoje situado no Nepal. Lembremos que na antiguidade o que conhecemos como Índia, Afeganistão, Paquistão, Bangladesh, Nepal, Butão e Ceilão formavam um todo geográfico, uma civilização indiana comum. Sidharta teria vindo de uma família rica, poderosa e fraterna. Ele pertencia a uma das varnas (castas) mais altas da sociedade, a dos xátrias (guerreiros e reis). Por uma série de razões e experiências particulares, Sidharta de cansa dessa vida e sai em busca de conhecimento. Passa anos meditando no meio da floresta em asceses duríssimas, cujos resultados não o satisfazem. Por fim, intui uma sabedoria de vida ponderada, equilibrando o corpo físico e o espiritual. Disposto a provar que suas intuições eram corretas, durante algum tempo ele medita sozinho, atinge a iluminação (boddhi) e se transforma no ‘iluminado’, ‘Buda’, aquele que alcançou o ‘nirvana’ – ou, a libertação do mundo material. Buda decide, porém, ‘ficar’ nesse mundo físico, ensinando sua doutrina. Em breve ele arregimentou um grande número de discípulos. Passa anos pregando, funda um mosteiro, e aproximadamente em -483, em torno dos oitenta anos, sofre o passamento de seu corpo físico, o ‘parinirvana’, e a completa libertação da alma. (Bareau, 1950 e Smith, 2004)
Esses detalhes são bem conhecidos, e podemos percebê-los em quase todas as narrativas – budistas - sobre a vida de Buda. Mas a vida do Buda, em si, não constitui um roteiro original, e milhares de outros ‘homens santos’ na Índia passaram por aventuras semelhantes. Contudo, desde cedo o Budismo não constituiu um movimento unificado. Isso implica que muitas tradições ou histórias sobre a vida de Buda variam de escola para escola, e não podem ser consideradas apócrifas ou simplesmente descartadas. Temos que buscar nas origens do Budismo, pois, o que o diferencia do hinduísmo, para delinear o momento em que este ‘surge’ como um movimento organizado na sociedade indiana, uma nova alternativa religiosa e intelectual (Coomaraswamy, 2007).
Assim procedendo, nos aproximamos com mais segurança do final do século -4, perto da chegada de Alexandre na Índia. Entre o possível nascimento de Buda e a chegada dos macedônios, temos um período de quase dois séculos em que essa doutrina budista matura, se afirma e cria para si uma identidade própria, que permite distingui-los do restante da sociedade. E no que se baseava essa identidade? Na elaboração de um discurso alternativo ao hinduísmo tradicional.

A doutrina budista
O budismo, originalmente, estava embebido do hinduísmo. Ele tratava dos mesmos problemas, cujo esquema era basicamente o seguinte: estamos presos no mundo material e precisamos nos libertar. A libertação vem pela extinção do karma. Para alcançar essa libertação, precisamos trilhar um caminho espiritual. Buda oferecia essa libertação por meio das conhecidas ‘quatro verdades’, afirmações metafísicas dogmáticas que podem ser assim resumidas:
a)Tudo é dor; b) A dor nasce do desejo; c) Cessando o desejo, cessa a dor e d) Para cessar a dor, se deveria seguir o ‘caminho óctuplo’:
1) Olhar correto – analisar as coisas de modo correto e coerente, treinar os olhos a ver de modo ‘realístico’, para além das aparências;
2) Intenção correta – possuir intenções corretas na busca da iluminação;
3) Falar correto – só se pronunciar quando há certeza nas palavras, cuidado na exposição ou dúvidas autênticas. Afastar-se da maledicência e da ‘conversa inútil’ (superficial);
4) Agir correto – que as ações correspondam as intenções corretas, e as palavras adequadas;
5) Sustento correto – buscar um meio de vida que não fosse contra  doutrina budista. Evitar, por exemplo: atividades ligadas à guerra, ao abate de animais, ao comércio de luxo;
6) Esforço correto – dedicar-se aos aspectos anteriores, empreender o esforço físico e mental para a doutrina;
7) Atenção correta – prestar atenção em todos os outros aspectos, de estão sendo cumpridos corretamente, e atentar para as questões que se desenrolem no caminho do discípulo, e que representem dúvidas sobre a conduta adequada;
8) Meditação correta – exercício fundamental do budismo, que consiste na prática direta do meio físico mais apropriado para alcançar a iluminação. Os exercícios budistas de meditação eram uma simplificação de algumas técnicas da yoga. Buda simplificou-os ao extremo, e sua meditação consistia basicamente na postura de Lótus – sentar com as pernas cruzadas, fechar os olhos e buscar ‘limpar a mente’. (Gard, 1968 e Conze, 1973).  
Visto assim, os métodos budistas pareciam não oferecer nenhuma novidade relevante em relação ao hinduísmo. O ponto crucial do pensamento budista, que se chocava diretamente com o hinduísmo, era a possibilidade de libertação espiritual aberta a todos. Esse foi o cerne do atrito que separaria o budismo do hinduísmo, e o destacaria como um movimento religioso específico, dentro da civilização indiana, durante séculos.

Libertação para todos
Para entendermos melhor a questão, vamos voltar ao problema da reencarnação no hinduísmo. Para os hindus, enquanto o karma de uma alma não for extinto, essa alma reencarnará no mundo físico indefinidamente. A extinção do karma não é um progresso evolutivo direto; uma alma pode reencarnar, adquirir méritos espirituais e, no entanto, em outra reencarnação, voltar a cometer crimes que ‘sujam’ novamente seu karma. Em função dessa crença, os indianos desenvolveram uma divisão ‘espiritual’ da sociedade, composta pelas varnas (ou ‘castas’). Segundo uma tradição que remontaria aos Vedas, conjunto de textos mais antigos da literatura indiana, a divisão da sociedade se dava em quatro varnas fundamentais, que seriam: os brâmanes, executores das funções religiosas, e topo da pirâmide social-espiritual; os xátrias, guerreiros e administradores; em seguida os vacias, camponeses e comerciantes; e por fim o sudras, a quem se destinavam as piores funções sociais, e que eram tidos como ‘impuros’ (Rig Veda, 10:90). Essas varnas reproduziriam no mundo físico as diferenças no nível evolutivo das almas. Assim sendo, quem reencarnasse como brâmane estaria em excelente condição espiritual, e próximo da libertação; os xátrias um pouco menos, vacias menos ainda, e assim por diante, até os sudras, pessoas cujos crimes kármicos determinavam uma vida de expiação para as contínuas reencarnações vindouras. Esse sistema determinava o impedimento de misturas familiares entre varnas, sob o risco de ‘contágio’ espiritual. Mesmo assim, xátrias e vacias tinham o costume de pagar professores brâmanes para ensiná-los o que pudessem aprender das escrituras sagradas, meditação ou qualquer outro meio de expiação kármica.
Buda, provavelmente, teria sido um dos muitos príncipes indianos com acesso ao estudo das técnicas de meditação e sabedoria bramânica. Quando se retira para a floresta, encontra outros ascetas cuja varna desconhecemos. A questão é que Buda propôs ter alcançado a iluminação, o que representava, no mínimo, uma espécie de erro metafísico para a visão hindu. Afinal, um xátria não poderia alcançar a iluminação sem antes reencarnar como brâmane. Afirmar isso era um precedente perigoso. Isso se tornou ainda mais grave quando Buda começou a pregar que, se ele havia alcançado o nirvana, qualquer pessoa – de qualquer varna – poderia fazê-lo também. Nisso residia a raiz do conflito inevitável que se estabeleceria entre hinduístas e budistas: a possibilidade de libertação espiritual para todos.

Popularização
Essa proposta budista foi considerada revolucionária e anátema. Desde esse período, o hinduísmo desenvolvera algumas particularidades que o caracterizavam como um sistema de crenças bastante peculiar: é um sistema religioso amplo, plural, aberto, disposto a discutir a existência das divindades (e até pô-las em dúvida, ver Rig Veda, 10:129), a aceitar a convivência de diversos mitos de criação do universo, a discutir os destinos da alma, entre outras coisas. Os debates metafísicos hindus são profundos, e a literatura antiga mostra isso. Os fundamentos dogmáticos do hinduísmo residem, de fato, em: acreditar na reencarnação; na aceitação da estrutura social das varnas; e nas múltiplas possibilidades em relação à existência dos deuses.[3]Ora, o budismo vinha propor a falência do sistema de varnas, tendo em vista que a possibilidade de libertação espiritual a todos quebrava o paradigma ‘espiritual evolucionário’ [evolucionismo espiritual]. O budismo não afirmava que todos eram iguais espiritualmente: aqueles que não atingiam o nirvana voltariam ao mundo físico em outra vida para continuar tentando. A questão é que, na visão de Buda, era impossível saber quem podia se libertar ou não: isso cabia ao indivíduo. Desse modo, Buda também deslocava o problema da intervenção divina na vida humana. Conquanto os hindus admitissem a importância ritualística da devoção, o budismo menosprezava (ao menos na origem) a relação com os deuses, transferindo a responsabilidade da salvação para o indivíduo. Os primeiros discursos budistas são marcados pela ausência de uma preocupação maior com as divindades. O budismo, para explicar os fenômenos da mente e da meditação, criou para si uma nova linguagem, e começou a se distanciar ainda mais do hinduísmo (Coomaraswamy, 1979 e Eliot, 1991).
A popularização do budismo foi rápida, e no século -4 encontramos diversas comunidades espalhadas pelo norte da Índia.[4] Buda, preocupado em difundir sua mensagem, aconselhou ainda que a doutrina fosse pregada numa linguagem mais popular e acessível ao público (Gard, 1968, p.34-5). Essa foi uma das razões do budismo adotar línguas como o páli e o karoshti (línguas populares) para a redação de seu cânone, afastando-se do sânscrito, a língua erudita do hinduísmo. Em função disso, a terminologia budista, embora de início fosse similar a do hinduísmo, gradualmente vai dele se separando pelo uso desses idiomas alternativos (exemplo: ‘dharma’, ou lei religiosa em sânscrito, vira ‘dhama’ em páli), além da criação de seu vocabulário metafísico próprio.

Proselitismo
Para conquistar novos adeptos, o budismo investiu também em algo absolutamente novo na época: o proselitismo. É possível que o budismo seja, na verdade, o primeiro movimento religioso proselitista do mundo. A razão dos budistas investirem na propagação de sua doutrina residia, novamente, na idéia de aquisição de mérito espiritual. Os budistas eram encorajados a ajudar seus irmãos no processo de libertação espiritual, tal como Buda havia feito. Além disso, quanto mais se ajuda alguém a se libertar, mais se ajuda a si mesmo no processo de expiação kármica. Um mundo com mais pessoas instruídas no caminho da libertação se transformaria, por conseguinte, num lugar espiritualmente melhor para todos. Isso era radicalmente diferente do pensamento hindu, em que alguém nascia numa casta e lá devia permanecer; e que seu acesso aos recursos espirituais era limitado por barreiras sociais.
Obviamente podemos pensar no poder que as comunidades budistas vão absorvendo ao longo dos séculos -4 e -3, atraindo um número significativo de seguidores. Novamente, porém, faltam-nos dados para saber a extensão desse desenvolvimento. Do mesmo modo, temos uma dificuldade muito grande em identificar as críticas hinduístas ao crescimento do budismo. O que podemos intuir dessa relação conflituosa vem dos poucos fragmentos que possuímos do período em que Alexandre chega à Índia e a formação subseqüente do império Maurya, que analisaremos a seguir.
De qualquer modo, o século -4 traça para nós o quadro geral que nos permitirá observar o florescimento da arte budista. Uma religião proselitista, de linguagem flexível, popular, aberta a discussão metafísica e teológica, o budismo guardava todos os requisitos para o estabelecimento de um fértil diálogo intercultural. Em breve, essas possibilidades viriam a se transformar numa forma de expressão física, fundamental a materialização e a continuidade da difusão da doutrina budista fora de suas regiões de origem.
Em nosso quadro geográfico, a intensidade quantitativa e qualitativa da produção artística budista mostra uma concentração notável nas regiões do Nordeste e do Noroeste indianos, principalmente a partir do séc. -2, próximo de suas bases de origem tradicionais. Nessas regiões, que também formam as pontes de passagem para o mundo indiano, veremos como os budistas desenrolaram o desafio do intercambio de idéias com outras civilizações.


Parte 2: A descoberta da Índia Budista

No início do século 20, o estudioso francês Alfred Foucher mergulhava no mundo das imagens indianas, vasculhando uma quantidade inacreditável de estátuas e relevos em busca de uma iconografia autenticamente budista. Foucher foi, provavelmente, o primeiro especialista a preocupar-se em compreender a formação de uma iconografia budista, de um cânone para a produção de imagens de Buda e de temas budistas. Seu magnífico e erudito trabalho, ‘L’art Gréco-Bouddhique du Gandhara’, publicado em 1905, foi também o primeiro estudo a realizar um extenso levantamento da arte budista e de suas possíveis origens. O trabalho de Foucher foi marcante, e influenciou profundamente gerações de arqueólogos e historiadores da arte asiática.
A teoria central do trabalho de Foucher era a seguinte: a imagem de Buda teria surgido do contato entre budistas e gregos. Antes disso, Buda nunca teria sido representado em forma humana. Até a chegada dos gregos na Índia, os budistas representariam Buda por ícones associados à religião budistas, tais como o dharmachakra (a Roda da Lei), a marca de seus passos, um espaço vazio debaixo da árvore boddhi (lugar em que Buda alcançou a iluminação) ou uma cena conhecida das jatakas. Quase todas essas representações estariam contidas em relevos, presentes nas stupas budistas – pequeno templo destinado a guarda de relíquias budistas, ou para marcar um lugar de veneração. Antes disso, segundo Foucher, os indianos desconheceriam a estatuária escultural de grande porte, e o budismo interditava representações antropomórficas de Buda. Foi a chegada dos gregos, no final do século -4, que mudaria o panorama das artes indianas. Alexandre trouxe consigo artesãos e escultores que fixaram residência na Índia, e que repassaram suas técnicas aos artistas indianos. Principalmente na região de Gandhara, segundo Foucher, essa arte grega seria absorvida de maneira intensa, e por razões particulares. Gandhara era um dos grandes centros de Budismo na Índia da época. Essa comunidade desejava expandir-se, mas para isso, precisava de meios apropriados de expressão estética, que os diferenciassem do hinduísmo. Afinal, quem olhasse para um relevo budista sem conhecer um pouco da doutrina ou de sua história teria uma dificuldade tremenda em compreender o significado dessas representações, em que a ‘ausência’ marcava uma ‘presença’. Para esses ‘ícones associativos’, Foucher propôs a teoria denominada de ‘aniconismo’; antes dos gregos, pois, os budistas representariam Buda tal como faziam as religiões judaica, cristã e islâmica: sem formas humanas. O uso de símbolos ‘inumanos’ denotava um sentido de respeito religioso, mas também, uma certa incapacidade de se desvencilhar das formas de expressão artísticas do hinduísmo. Os deuses hindus já possuíam formas, atributos, sinais distintivos, enfim, toda uma gama de símbolos que permitiam sua identificação junto à sociedade. O budismo, porém, sofria da dificuldade de ter nascido dentro do hinduísmo, e de buscar novas formas simbólicas que pudessem distingui-lo.
Assim, na teoria de Foucher, a iconografia budista pré-grega seria feita de ícones cujo sentido podia ser lido somente por aqueles familiarizados com o budismo. A ausência de representações humanas de Buda fortaleceria esse aspecto ‘anicônico’ do budismo. O estabelecimento dos gregos na Índia, porém, teria modificado por completo esse panorama, por várias razões. A primeira delas, como dissemos no capítulo anterior, era o proselitismo budista. Os budistas não tinham receio de contatar estrangeiros, discutir sua doutrina e ainda, de pregar para eles. Livres da idéia de que pertenciam a uma civilização fechada e articulada pela religião (a civilização hindu), os budistas viram na chegada dos gregos uma nova porta aberta para sua expansão. O império de Alexandre formava uma vasta rede de territórios que se estendiam da Ásia Central ao mediterrâneo, nos quais a cultura grega começava a penetrar como uma espécie de ‘cultura geral’, expandido a língua grega, e suas formas artísticas, em todos os cantos desse mundo. Para os budistas, portanto, pareceu interessante estabelecer um contato aprofundado com a cultura grega, tendo em vista uma possível expansão para o Ocidente. Uma prova singular dessa iniciativa, por exemplo, é o conhecido texto do ‘Milinda Panha’, produzido (provavelmente) no século -2. Nele, um rei Grego chamado Menandro (em páli, Milinda) trava um debate filosófico com um sábio budista chamado Nagasena, e no final, termina convertido ao budismo. Menandro de fato existiu (-160 -135), e sabemos que o budismo realmente encontrou boa acolhida nos reinos Greco-indianos que se formaram após a morte de Alexandre e a subseqüente fragmentação do império macedônico (Xavier, 1968).
Mas a arte grega parecia representar algo ainda maior para os budistas: uma nova forma de expressão artística, capaz de singularizar o budismo em relação ao hinduísmo. E mais: de criar uma iconografia própria, capaz de dialogar tanto com o mundo indiano quanto com o mundo grego.

O Aniconismo de Foucher
A teoria do aniconismo de Foucher foi muito bem recebida na época, e perdurou durante décadas como uma certeza dentro do campo da história da arte indiana. Ele teve ainda a oportunidade de sintetizar suas idéias em um outro artigo, publicado em 1913, intitulado “L’origine grecque de l’image du Bouddha”, no qual defendia a preeminência da região de Gandhara no surgimento de uma imagem humanizada de Buda. A vasta coleção de materiais recolhidos por Foucher parecia mostrar que seu ponto de vista estava correto. A estatuária budista de Gandhara inaugurara a representação de Buda. Os Budas de Gandhara se apresentavam fundamentalmente na posição de meditação ou e de discurso, sentados, com as pernas cruzadas, e realizando um ‘Mudrá’ – gesto de mão que possui um significado religioso específico tanto no budismo quanto no hinduísmo. Essas peças representavam uma novidade para a Índia em vários sentidos: primeiro, de uma estatuária em pedra cujas formas, importadas da Grécia, eram desconhecidas pelos indianos; segundo, que essa mesma estatuária apresentava adaptações significativas na representação de elementos budistas, tais como gestos sagrados, a protuberância na cabeça de Buda (indicativo de sua sabedoria), o disco solar atrás da cabeça, a postura meditativa. O que os artistas de Gandhara haviam conseguido fazer, portanto, era incorporar o realismo grego das formas, a atenção ao detalhe, a proporcionalidade das partes físicas, dentro de uma concepção inédita de representação dos ícones budistas. Os exemplos recolhidos por Foucher pareciam ser suficientes para corroborar essa tese, que foi aceita amplamente em sua época.

Os gregos na Índia
De fato, a presença grega na Índia havia sido menosprezada durante um bom tempo pela historiografia ocidental. Os trabalhos sobre antiguidade, até a época de Foucher, centravam-se basicamente no Mediterrâneo. Devemos lembrar, todavia, que o Oriente ainda era uma novidade para a Europa. Somente em 1857, por exemplo, a Inglaterra havia finalizado o domínio da Índia, após debelar a revolta dos Cipaios.[5] Quando Foucher vai em sua primeira missão no país, em 1895, mal haviam se passado cinqüenta anos do episódio, que ainda estava fresco na memória de indianos e ingleses. Nessa mesma época, seriam descobertos os sítios arqueológicos de Mohenjo Daro e Harappa, empurrando a aurora da civilização indiana para um período contemporâneo ao dos sumérios (Alchin, 1998 e Thapar, 1990). Nem mesmo os indianos tinham idéia dessas antigas cidades. Coube aos ingleses descobri-las, e praticamente iniciar a construção da história antiga indiana em moldes científicos ocidentais. Se atinarmos para esse quadro, compreenderemos o ineditismo de Foucher, e a razão pela qual a presença grega na Ásia central começou a ser valorizada em outros termos.
Novamente, temos aí um problema de fontes históricas. Apesar dos gregos terem um projeto inicial de historiografia, nos moldes de Heródoto e Tucídides, ainda assim não foram feitos – ou não restaram – cronologias ou histórias da presença grega na Índia. Temos apenas fragmentos. Sabemos, por exemplo, que uma ‘Historia Indika’ sobre esse período foi escrita, das quais sobraram somente vestígios na ‘História da Grécia’ de Pausânias. No entanto, os gregos trouxeram para a Ásia central as moedas. Grande parte da cronologia que temos dos reinos gregos na Índia vem da numismática. Por meio delas, é possível remontar um quadro – ainda que cheio de falhas – da situação política da época (Holt, 1999, p.67-83).
Os gregos conseguiram manter uma série de reinos autônomos, que brigavam entre si, num período que se estende entre -325 a +10. Há uma série de avanços e recuos em suas fronteiras. O principal centro do domínio helênico era a região chamada de Bactria, onde hoje se situa o Afeganistão. Apenas para termos uma idéia, a conhecida região de Bamiyan, cujos Budas gigantescos, escavados em pedra, foram explodidos pelo Talibã em 2001 já foi um poderoso reino grego no passado. A mobilidade das fronteiras se devia tanto as ocasionais divisões dinásticas gregas, quanto ao interesse em aproximar-se da Índia ou, a partir do século -1, em participar mais diretamente da Rota da seda, como veremos adiante.
A presença grega foi marcante, em termos artísticos, nessa região. Não apenas os temas budistas foram tocados pelo estilo naturalista grego; representações sincréticas de deuses gregos surgem nos relevos indianos. Hércules se torna um dos temas preferidos nesses relevos. Num deles, ele acompanha e protege Buda. Um conjunto de moedas dos reis Greco-indianos apresenta os soberanos gregos fazendo um mudrá de benção perante seus súditos nativos. A iniciativa de Foucher, portanto, deu base para a escrita de um novo e interesse capítulo da história do helenismo. Talvez por isso, também, sua obra tivesse uma acolhida tão favorável na Europa colonial e imperialista do início do século 20.

Gregos e Mauryas
Os gregos, porém, não estavam sozinhos. O norte da Índia havia se organizado num novo e poderoso império, que ficou conhecido como dinastia Maurya (-322 a –183). O fundador da dinastia Maurya, Chandragupta, havia assistido a chegada os gregos na Índia, e acompanhou de perto suas conquistas e limitações. Chandragupta recolheu recursos e experiência suficientes para unificar novamente a Índia, pondo limites aos interesses gregos. Contudo, a formação do império Maurya deu certa estabilidade política à região, o que permitiu que os sucessores de Chandragupta pudessem manter outras preocupações. O mais notável e conhecido deles foi Ashoka, neto de Chandragupta, que teria governado o império de -268 a -232 . Ashoka ficou conhecido por uma série de éditos, publicados em rochas, que se estendiam por todo o império e traziam mensagens de paz e religiosidade ecumênica. Há uma grande insistência, por parte da tradição budista, que Ashoka se converteu ao budismo após uma profunda depressão pela qual passou. Numa das guerras de expansão dos Maurya em direção ao sul da Índia, Ashoka teria ordenado um massacre na região de Kalinga, do qual se arrependeu profundamente depois. Diante da visão da morte, ele teria despertado para um sentimento religioso mais profundo, que o teria levado ao budismo. Obviamente, essa é uma história que o próprio Ashoka escreveu em um de seus éditos, numa época em que massacres em guerras eram coisas absolutamente comuns, mas com a qual os budistas se locupletaram. No entanto, um exame das proclamações de Ashoka realmente mostra uma preocupação notável com a preservação da vida, com a manutenção da paz, com o respeito ao Dharma (a lei religiosa) e a construção de uma imagem piedosa:

Não devemos honrar apenas a religião própria e condenar a dos outros e devemos honrar as religiões alheias por este ou aquele motivo.  Fazendo assim, ajudamos nossa própria religião a crescer e prestamos serviço também as alheias. Ao fazer de outro modo, estamos cavando a sepultura de nossa própria religião e, ao mesmo tempo, fazendo mal as alheias. Quem quer que honre sua própria religião e condene as alheias certamente o faz por devoção a própria, pensando em glorificá-la, mas, ao contrário, ao fazer isso prejudica a mesma gravemente. Por isso, a concórdia é boa, e que se permita a todos ouvir e prestar-se a ouvir as doutrinas professadas pelo próximo. (Édito 13)

Todos esses elementos, porém, estavam presentes tanto no hinduísmo quanto no budismo, e é possível que Ashoka estivesse tentando, na verdade, ter ambas as religiões sob seu controle. De qualquer modo, Ashoka investiu mais no discurso religioso do que no conflito, e seus éditos são prova concreta disso.
O que nos interessa, aqui, é que Ashoka escreveu alguns desses éditos em grego e aramaico, de modo que pudessem ser compreendidos no Oeste grego. Esse ponto demonstra que os indianos estavam absolutamente cientes da importância dos gregos como uma poderosa força na Ásia central, e a ligação para o ocidente mediterrânico. No mesmo édito 13, por exemplo, Ashoka nomeia os reis gregos com precisão, e leva até eles sua mensagem de paz (Bloch, 1950).      
Uma das regiões retomadas pelos Maurya foi Gandhara. Os budistas souberam tirar proveito da situação, e continuaram a manter um proveitoso contato com os gregos. Se pudermos acreditar num texto indiano desse momento, existiam até mesmo monges indianos que ensinavam budismo aos gregos (Mahavamsa, 12). Mas os Maurya sofreram um súbito colapso no século -2 por razões pouco conhecidas, sendo derrubados pela efêmera dinastia Sunga. Pouco dispostos a tolerar influências estrangeiras, os Sunga tentaram restaurar o poder do hinduísmo, promovendo uma perseguição aos budistas. Isso lançou os budistas, novamente, a procurar abrigo e amparo nos reinos gregos. Mais uma vez, a escolha acabou se mostrando acertada: enquanto o império dos Sunga encolhia, pressionado por todos os lados, os gregos avançaram por todo noroeste indiano, retomando uma parte substancial da Ásia central. Em sua maior extensão, os reinos gregos conseguiram manter, durante algum tempo, uma extensão de terras que ia do mar Cáspio até Fergana, nas fronteiras com o império chinês (Thapar, 1990, p. 92-109 e Holt, 1999, p. 126-33). O mais importante para os budistas, contudo, é que Gandhara havia sido retomada nesse processo. Agora, eles acreditavam que teriam uma importante base para se expandirem rumo a oeste, um governo que lhes era favorável e tempo para trabalharem uma nova imagem para sua religião.

Mas Foucher estava certo?
Ao lermos toda essa trajetória histórica, podemos pensar que o budismo estava totalmente imerso na cultura e na arte grega, a ponto de se fundirem. A idéia de Foucher era absolutamente atraente, e parecia fazer todo sentido ao lermos esse quadro cronológico e cultural. Contudo, como falamos desde o início, o budismo não se construiu a partir, e somente, de uma escola ou região. A grande dificuldade em remontar a história do budismo e de sua arte é, justamente, a diversidade de fontes que podemos encontrar para rastrear o fenômeno de difusão budista. Foucher havia cometido alguns erros em sua análise, mas o principal deles era supor que a ‘cultura ocidental grega’ havia sido ‘superior’ desde a antiguidade, projetando assim, sobre a Índia, um estereótipo colonizador que influenciou decisivamente a leitura da história da arte indiana. Já na década de 20, o filósofo e historiador da arte anglo-cingalês Ananda Coomaraswamy iniciaria o processo de ‘desconstrução’ das teses de Foucher (embora, ainda hoje, Foucher tenha uma legião de seguidores que repetem suas teorias de forma dogmática). A descoberta dos erros de Foucher demonstrava, por outro lado, o quão míope poderia ser a capacidade de análise dos especialistas ocidentais em relação às artes asiáticas. A construção da iconografia budista estava longe de ser um processo acabado, tanto para Coomaraswamy, quanto para os budistas do século -2. É o que veremos, a seguir.


Parte 3: A dificuldade no olhar

Próxima da região de Gandhara, um outro centro de produção artística desenvolveu-se fortemente ao longo do período que analisamos até agora.  Chamava-se Mathura, e ficava perto de onde, hoje, se localiza Nova Déli.[6]Mathura também foi um importante irradiador do Budismo na Ásia central, e produziu um volume substancial de esculturas baseadas em estilos gregos, tal como Gandhara. No entanto, por que Mathura passou despercebida por Foucher? Qual a razão para que ele a desprezasse?
Obviamente, um pesquisador pode definir um foco para delimitar suas pesquisas, e foi o que Foucher fez. No entanto, Foucher redimensionou seu trabalho, considerando que ele abrangia o gênese de uma nova arte budista antropomórfica. Se isso não incomodava grande parte dos especialistas europeus, por fazer supor uma preeminência grega nas artes indianas, por outro demonstrava um incômodo desconhecimento sobre as artes asiáticas em geral, sentido somente por aqueles que já tinham alguma experiência em lidar com esses temas. Para o filósofo e historiador da arte Ananda K. Coomaraswamy, a miopia de Foucher era muito mais séria do que se pensava.
Coomaraswamy tinha um pé na Inglaterra e outro no Ceilão, e conhecia bem os dois mundos. Ele nascera em 1877 em Colombo, capital cingalesa, mas após a morte de seu pai em 1879, sua mãe o levou para Inglaterra, tendo uma educação completamente européia.  Coomaraswamy teve formação em ciências, chegando a ser doutor em geologia, mas dedicou-se principalmente ao estudo das artes e da filosofia. Justamente em 1906 – um ano depois da publicação do livro de Foucher – Coomaraswamy também estava pesquisando a arte da Índia, formando uma ampla coleção de imagens e fotografias que levaria de volta para a Inglaterra em 1908. A leitura do livro de Foucher o incomodou profundamente, por parecer-lhe limitada e demasiadamente eurocêntrica. Coomaraswamy se pôs a escrever então ‘A origem da imagem budista’ (1927) e depois, ‘Elementos da iconografia budista’ (1935), que marcariam sua crítica ao trabalho do francês.
Coomaraswamy buscou destacar que nunca houve qualquer interdição contra a produção de uma imagem antropomórfica na literatura budista. O próprio Buda não desejava ser venerado, e preferia que seus discípulos se ativessem a certos símbolos da doutrina que ele julgava mais significativos. Para ele, isso poderia ser um indício significativo da origem do aniconismo budista como uma forma de representação artística. Contudo, isso NÃO era uma explicação para a ausência de imagens humanas de Buda antes dos gregos. Em ‘a Origem da imagem de Buda’, ele desenvolve a idéia de que o grande erro de Foucher foi não conhecer - e nem prestar atenção - a outro corpus de imagens indianas budistas, desprezando-as no momento de formular suas observações – e conseqüentemente, suas teorias.  Vários elementos são pertinentes nas críticas de Coomaraswamy: a primeira delas era que o aniconismo, como resultado de um sentimento religioso, era uma projeção anacrônica e monoteísta sobre o passado indiano. A literatura budista, como ele aponta em ‘Elementos...’, não interditava representações humanas. Supor que o budismo propunha isso era uma aproximação errônea e equivocada da doutrina budista. Num segundo nível, o problema central era a dificuldade no olhar de Foucher, treinado na iconografia Greco-romana. Ele foi incapaz – ou não quis – reconhecer dezenas de imagens de Buda em relevos ou estátuas, talvez por causa da sua inabilidade em distingui-las dos modelos artísticos hindus. Nesse ponto, uma visita a Mathura teria sido providencial a Foucher.
Mathura se tornara também um centro budista importante, que disputava as atenções da Sangha (a comunidade budista) através de seus retiros, templos e de suas ricas produções artísticas. Segundo Coomaraswamy, Mathura podia ser considerada, tanto quanto Gandhara, como uma das escolas fundamentais na história das representações de Buda. Mas Mathura se distinguia de Gandhara por algumas razões. Ao observar as representações budistas de Mathura, percebe-se a existência concomitante dos modelos anicônicos, dos modelos inspirados nos gregos e ainda, de modelos hindus. Para Coomaraswamy, a convivência dessas três vertentes denotava o seguinte: Mathura seria um laboratório de experiências para a criação de uma iconografia budista. De início, os budistas teriam se inspirado em modelos hindus tradicionais, buscando priorizar elementos que se aproximassem das imagens da doutrina budista. O aniconismo seria resultado de uma dessas experiências, se destacando nos relevos e na representação de passagens das jatakas. A chegada do elemento grego adicionou mais um conjunto de possibilidades a essas já existentes. Coomaraswamy chama a atenção, por exemplo, de imagens anicônicas feitas em estilo grego. Ou seja: um estilo não se sobrepõe ao outro, mas se criam perspectivas de representação, baseadas nessas três correntes.  Além disso, muitas estátuas de Buda foram produzidas em madeira, material perecível que dificilmente sobrevivia por muito tempo, dificultando nosso conhecimento sobre as representações originais de Buda. Por fim, havia uma inversão de paradigma, aplicável tanto ao caso de Mathura quanto a Gandhara: as técnicas gregas estavam sendo utilizadas para representar elementos religiosos indianos, e não os criando. Elementos como o mudrá, a roda da lei, a postura meditativa, a postura do discurso, todos estavam presentes na literatura budista. Podia se concordar que a arte grega serviu para diferenciar substancialmente a arte budista da hindu, mas não havia inventado-a, como afirmava Foucher (Coomoraswamy, 1927). Coomaraswamy ilustrava isso mostrando que as representações de Buda seguiram um caminho distinto no sul da Índia, Indochina e na Indonésia, aproximando-se muito mais da imagética hindu do que da grega – é o caso dos Budas de torso nu ou apenas de doti, pano similar ao usado pelos que meditam no hinduísmo. No Tibet, Buda é pouquíssimo representando, preferindo-se divindades similares a do hinduísmo, com múltiplos braços e posições ioguínicas (Coomaraswamy, 1985 [original, 1935]).
Os levantamentos feitos por Bhattacharya, em ‘Indian Buddhist Iconography’[7]apontavam para uma afirmação da originalidade indiana, reforçando a tese de Coomaraswamy. Auboyer (1958) também indicou a necessidade de se revisar os critérios sobre a ‘autenticidade helênica’ da arte budista, e que muito do que havia nessas ‘influências ocidentais’ deveria ser igualmente creditada aos romanos, com os quais os indianos tiveram um contato profícuo nos séculos +1 e +2, época de auge da produção em Gandhara. Porém, em 1960, Sir John Marshall, estudioso inglês que já escavava na Índia desde o final da década de 30, lançou ‘Buddhist art of Gandhara’, no qual reforçava uma série de apontamentos feitos por Foucher no tocante ao caráter inovador do helenismo, a partir novamente de um (localizado) levantamento material em Gandhara. Somente no início da década de 90, após um novo e extenso levantamento de imagens, o casal de especialistas americanos John e Sarah Huntington pôs fim a teoria da preeminência aniconista e a negação da autenticidade da arte indiana (Huntington, 1990:401-408 e 1992:111-156). A própria teoria da possibilidade de existir arte anicônica já parece, em si, superada (Freedberg, 1991, p.54-82).
Essas discussões, como podemos perceber, eram atravessadas por uma inevitável tensão influenciada de um lado pela visão acadêmica eurocêntrica e por outro, calcada no diálogo intercultural. Elas deixavam escapar, no entanto, que se o aniconismo não havia passado de um mito, e que se Buda pode ter sido representado na forma humana desde o início em Mathura, um outro aspecto dessa problemática não podia ser esquecido: a importância capital de Gandhara na difusão de um nova forma artística budista intercultural, tanto em direção ao ocidente como depois, para a China. Gandhara e Mathura teriam seus papéis redefinidos na virada das Eras, mas caberia a primeira um papel de destaque do processo de trocas culturais entre as civilizações na antiguidade.

Gandhara, século -1 a +1
O sossego que os budistas esperavam ter conseguido com a instalação dos reinos gregos em Gandhara não durou muito. As fronteiras gregas eram instáveis: do lado oeste elas eram pressionadas pelos temíveis partos, que se instalaram na mesopotâmia desde o século -3 e lá fixaram um poderoso império, capaz de rivalizar com Roma em poder político, extensão e força. Ao leste, uma nova onda de invasões fora provocada pelo êxodo de povos nômades vindos das fronteiras chinesas. Tanto os indianos quanto os gregos foram assolados pelos ataques dos Yuezhi, povo de origem cita que havia sido igualmente desalojado de seus territórios pelo Xiong Nu (os futuros ‘Hunos’), por sua vez expulsos da China pela poderosa Dinastia Han (da qual falaremos mais adiante).
Enfraquecidos, os governantes do norte e do noroeste indianos (ainda mais divididos nessa época) não puderam resistir por muito tempo. Alguns reinos gregos conseguiram sobreviver até +10, mas eram apenas um pálido reflexo do que haviam sido anteriormente. Gandhara foi brevemente tomada por mais um reino indiano, os Shaka, cujo pode não durou nem mesmo um século na região (-80 a -53). Quando os Yuezhi chegaram, nessa época, decidiram fixar residência na região, submetendo os Shakas e começando a construir, a partir principalmente no início do século +1, o império que seria posteriormente conhecido como Kushan. (Koshelenko, 1994, p. 164-173 e Yu, 2011)[8]
Para os budistas gandharianos, contudo, todo esse trânsito de estrangeiros – embora ocasionalmente preocupante – era extremamente benéfico. Como vimos antes, os budistas estavam acostumados a lidar com culturas estranhas, em função principalmente do seu ativo proselitismo. Sem necessidade de apoiar um ou outro Estado, os budistas se acostumaram com as mudanças políticas, sabendo adaptar-se para sobreviver. Essa habilidade foi fundamental para estabelecer uma relação pacífica e fértil com os novos conquistadores. Por outro lado, o budismo representava para os Kushans uma porta de acesso a cultura e aos pensamentos indianos e gregos. Novamente, os budistas conseguiram estabelecer conversações proveitosas com o poder estabelecido, e saíram recompensados por sua disponibilidade.
Sob Kanishka (78 +127), ápice da dinastia Kushan, os budistas experimentaram um estímulo nunca visto antes. Kanishka, talvez inspirado nas histórias de Ashoka dos Maurya, converteu-se ao budismo e tornou-se um patrono das religiões. Embora se apresentasse perante os súditos como ecumênico, seus investimentos no budismo são notáveis. Ele chega mesmo a produzir uma moeda com sua efígie de um lado e a de Buda do outro – nela, Buda aparece em pé, vestido com um longo pano, que pode ser uma das primeiras representações da toga romana, doravante denominada como ‘sangathi’. Os kushans aprenderam grego, e o usaram profusamente (Harmatta, 1994, p. 407-429). Investiram nos contatos com o Ocidente, e desenvolveram uma relação comercial rica com Roma e com a China.

O budismo na rota da seda
Em torno do século -1, na China, a dinastia Han dominou uma série de rotas comerciais que ligavam o seu território até o mediterrâneo. Essas rotas, que hoje conhecemos como ‘rota da seda’, se transformaram na principal via de comércio e intercambio de idéias a partir do século +1. O desenvolvimento da rota da seda estava ligado a um importante comércio de produtos de prestígio, cuja circulação restrita conferia representatividade e status social aos seus possuidores. O principal produto da rota era a seda, que era produzida na China e abastecia todos os mercados da Índia Kushan até o mediterrâneo romano. Possuir seda em Roma, por exemplo, era um importante sinal de riqueza material. Mas a rota era uma via de mão dupla. Diversos outros produtos circulavam nela, cumprindo esse mesmo papel: conferir representatividade social e material aos seus possuidores. Era o caso do vidro produzido no Egito, e desconhecido na Índia e na China, alcançando um valor significativo nessas sociedades.
Grande parte do poder político que os kushans angariam se devia ao seu sucesso na rota da seda. Tendo assegurado uma via estável pelo norte indiano, os kushans obtinham um significativo rendimento com o tráfego dessas mercadorias. Esses ganhos se traduziram no fortalecimento do reino, e em sua ‘internacionalização’. Se beneficiando do profícuo contato que desenvolveram com os budistas, os kushans criaram uma cultura embebida de valores Greco-romanos, e estabeleceram um contato efetivo com o império romano.
Cimino (1996), em seu ‘Ancient Rome and India: commercial and cultural contacts between the roman world and India’  fez uma extensa relação dos fragmentos textuais, materiais e imagéticos da rica relação que os indianos desenvolveram com os romanos nesse período. Embaixadas indianas foram enviadas à Roma, e uma delas esteve presente diante de Augusto (-27 +14); os romanos abriram empórios nas costas indianas, e os indianos são ocasionalmente citados na literatura latina. Geógrafos como Estrabão e Ptolomeu pareciam conhecer bem a Índia, e um texto de navegação chamado ‘Périplo do Mar Eritreu’ ensinava como chegar mais rapidamente às costas indianas, navegando com ajuda dos ventos das monções (Thorley, 1979; Tchernia, 1995 e Liu, 2010).
Esse contato profuso e intenso ecoou no desejo dos budistas se deslocarem para o ocidente. No entanto, a sangha estava preocupada com a difusão da mensagem budista. Uma série de divergências vinha surgindo desde o século -2, por conta da intensificação do contato com os estrangeiros em geral – principalmente os gregos. Embora a mensagem de Buda fosse aberta a todos, havia uma forte preocupação com a deturpação dos dogmas budistas, e que os textos sagrados estivessem sendo interpretados de formas diversas. Passados século desde a vinda de Buda, e sem uma liderança unificada, é normal que esse tipo de discordância ocorresse. Essas altercações implicavam num problema de representatividade diante do principal patrocinador do Budismo dessa época, o soberano Kanishka. A fragmentação de crenças e interesses da comunidade budista dificultava sua projeção para fora do contexto indiano, e o problema agora parecia se tornar grave.
Kanishka tomou as rédeas da situação e decidiu convocar um concílio em Kunnavala, em torno presumivelmente de 78 ou 80 (Danielou, 1971, p.148-9).  A tensão que envolvia os budistas oscilava entre a aceitação ou negação dos valores culturais de outras civilizações. Uma linha defendia que o budismo, sendo salvacionista, independia de questões culturais, e deveria manter a mensagem ‘original’ de Buda, sem concessões ao seu caráter dogmático. Defendiam ainda que a discussão sobre a existência ou não de Deus ou deuses era menos importante na mensagem original, que se atinha ao indivíduo – e por isso, dispensava esse elemento de qualquer crença, fosse hinduísta ou estrangeira. A outra linha defendia, basicamente, que o budismo, por pregar a salvação, era universalista – e sendo assim, deveria incorporar outras culturas. As jatakas budistas contavam, por exemplo, que existiam diversas formas de iluminação, acessíveis ao ser humano – e se todos são humanos, independentes de suas origens, poderiam então alcançar o Nirvana. Assim, o budismo deveria ser aberto ao proselitismo entre os mais diversos povos, sendo flexível e adaptável para melhor poder ensinar a mensagem de Buda. E como Buda nascera no meio do hinduísmo, sistema repleto de deuses (e muitas vezes utilizados em suas analogias), então, não seria equivocado aceitar que, no processo de adesão ao budismo, alguém pudesse ainda manter-se ligado aos seus deuses – ou mesmo, sincretizá-los.
Como podemos observar, Kanishka estava diante de uma situação extremamente complicada. Conceder um veredito final poderia implicar em cisões perigosas entre os budistas, capazes mesmo de abalar seu prestígio perante a comunidade. Por outro lado, o conflito já se desenrolava fazia tempo, e algum tipo de decisão parecia necessária. Kanishka investiu no viés que já vinha se desenvolvendo entre os kushans em relação às outras religiões: a liberdade de culto e a proteção do Estado. Assim, definiu que as comunidades não incorriam em erro de crença, mas em termos de método. O malabarismo teológico utilizado por Kanishka consistia em argumentar que a única prova definitiva para qualquer uma das correntes era a obtenção da iluminação individual – a qual nenhum dos debatedores podia recorrer naquele momento, pela total ausência de alguém que tivesse atingido o nirvana. Assim, Kanishka permitiu que elas empreendessem o estabelecimento de suas ordens segundo regras definidas por eles mesmos, sem prejuízo ou interferência umas nas outras. Desse concílio nasceu, assim, a grande divisão entre os budistas chamados ‘Hinayana’ (a 1ª linha que citamos), que defendiam serem os seguidores de um ‘budismo original’ e o ‘Mahayana’ (‘O grande Veículo’), que defendia ter compreendido o aspecto universalista e intercultural da mensagem budista.
Essa diferença iria se reproduzir diretamente nas escolas de Mathura e Gandhara. Enquanto os hinayanas investiriam em Mathura, buscando formas autênticas de expressão budista sem embarcarem num ‘helenismo exacerbado’, a linha Mahayana vislumbrou Gandhara como o centro de um diálogo artístico e cultural com outras civilizações. Nos séculos +1 e +2, Gandhara sofre então um novo surto criativo, que em pouco tempo praticamente eclipsou a produção de Mathura – gerando, assim, a impressão em grande parte equivocada de Foucher e Marshall.
Gandhara também estava muito bem localizada no trajeto da rota da seda, e os mercados da região ferviam de mercadores, diplomatas, artistas e soldados de todas as regiões do eixo euro-asiático. Com liberdade para criar e se adaptar, os artistas gandharianos começam a operar mudanças significativas em suas estátuas. A mais marcante, talvez, seja a incorporação da toga romana na imagem de Buda. Símbolo de poder político e religioso, representado nas estátuas romanas (como no Augusto da Via Labicana, séc. +1), a toga começa a surgir nas representações budistas gandharianas, cobrindo todo o corpo de Buda, atravessada no formato de manto pendurado, em geral com um dos braços igualmente coberto pelo pano. (Pugachenkova et alli, 1994, p. 323-61)
Podemos questionar as razões pelas quais os budistas gandharianos estavam tão preocupados em estabelecer contato com o mundo romano. Mesmo sendo proselitistas e universalistas, os budistas, assim como os mercadores e viajantes, tinham uma grande dificuldade de atravessar a Pártia, cujas fronteiras impunham restrições a livre circulação de estrangeiros. A Pártia obtinha também grandes rendas com a rota da seda, mas os governantes partos se sentiam cercados entre os romanos e o mundo asiático – principalmente o ‘perigo chinês’, com o qual tiveram uma experiência desagradável no início do século +1, ao serem expulsos de uma região pertencente ao domínio Han. Um enviado chinês, Ganying, tentou chegar até o império romano para estabelecer contatos diretos entre os Han e Roma, mas foi dissuadido pelos partos de prosseguir em sua missão (no livro Hou Hanshu, 88). Isso não impediu, no entanto, que uma comunidade budista se instalasse em Merv (Vorobyova-Desyatovskaya, 1994, p.431 e Foltz, 2010, p.47), com conseqüências interessantes nos séculos posteriores, quando o budismo chegasse na China.
Contudo, os romanos e gregos aportavam constantemente na Índia para driblar as fronteiras partas e penetrar na rota da seda. Esse fator de atração colocava o ocidente em contato direto com os budistas, incentivando-os a prosseguir na sua missão salvacionista. Era necessário, assim, criar mecanismos comuns de diálogo, para o qual a estatuária servia perfeitamente, conjugando elementos de ambas as civilizações.  Além disso, os budistas não constataram qualquer tipo de impedimento religioso para prosseguirem com suas pregações no ocidente, liberando-os da tensão permanente com que tinham que lidar na Índia com os meios hinduístas.
Mas a rota da seda reservava ainda novas perspectivas para os budistas. Embora de início não estivessem familiarizados com os chineses, em breve sua presença constante nos mercados iria chamar a atenção da comunidade gandhariana para as terras orientais. Havia barreiras culturais e lingüísticas notáveis, mas a proximidade geográfica e a segurança das rotas chinesas, protegidas por uma dinastia sólida e poderosa, despertaram os budistas para a possibilidade de expandirem-se, também, em direção ao império Han. O budismo estava prestes a entrar numa nova fase de sua história; e a imagem de Buda, a passar por mais uma transformação.


Parte 4: A chegada do Budismo na China

O mundo antigo testemunhou, nos séculos +1 e +2, a expansão e o estabelecimento de quatro grandes impérios no eixo euro-asiático: o império romano, a Pártia (na região mesopotâmica), Kushan (no norte da Índia e Afeganistão) e o império chinês Han. Os quatro possuíam uma via de comunicação comum, a rota da seda, que ligava diretamente a capital chinesa, Chang An (atual Xi’an) à Roma, passando por todos os grandes centros importantes da época. Desses quatro impérios, os dois mais poderosos economicamente e politicamente eram, sem dúvidas, o império romano e o chinês (Liu, 2010). Ambos eram pontos de partida e chegada da rota, e em seus territórios era produzida grande parte das mercadorias ‘exóticas’ que sustentavam o tráfego. A literatura desse período respondeu com uma série de fragmentos sobre essa relação ativa de romanos e chineses. Plínio Velho reclama, na ‘História Natural’ (capítulo 6), da evasão de divisas do império nos gastos com seda; Floro afirmou que os chineses e os indianos enviaram embaixadas para Augusto, com elefantes que traziam inúmeros presentes, e que embora a distância fosse longa, o aspecto dos viajantes denotava claramente sua condição de estrangeiros (Coedes, 1910, p. 21); Luciano achava que os chineses podiam viver trezentos anos (idem,p. 75); Estrabão e Ptolomeu localizavam as coordenadas para se chegar a Indika (Índia) e a ‘Serica’, como era chamada a China pelos romanos e gregos, por causa da palavra ‘sera’, que significava ‘seda’(idem, p.4-8 e 65-70); mas quem bem resumiu as relações com o Oriente, e captou a importância da rota da seda no mundo antigo foi Filostrato: ‘as letras do alfabeto vem dos fenícios, a seda vem dos chineses e a teologia dos magos; e nós preferimos todas essas coisas aos nossos produtos nativos, porque eles são de aquisição difícil, concedendo seu valor aos que os possuem’ (idem, p.81).
Do lado chinês, as informações provinham principalmente dos historiadores. O Shiji (Registros Históricos) de Sima Qian (séc. -1) indicavam as tentativas de contato com o ocidente, apresentando algumas de suas regiões (Shiji, 123); mas é o Hou Hanshu, o ‘Livro de Han’, escrito no período da dinastia Han posterior[9]que descreve atentamente os ‘Daqin’, como eram chamados os romanos, e uma vasta lista de produtos que os chineses gostavam de adquirir do ocidente (Hou Hanshu, 86 e 87).
Contudo, essa relação não era meramente comercial: ela também determinava o equilíbrio político da época. Numa disputa entre romanos e partos pela Armênia, por exemplo, o rei armênio pede a intercessão chinesa para evitar um conflito de maiores proporções (Hou Hanshu, 86). Não sabemos o desfecho da história, ou a real participação chinesa no caso; mas os quatro impérios parecem ter desenvolvido um sistema de contatos regulares. Os kushans, no caso, eram velhos conhecidos dos chineses, e com eles mantinham relações duradouras, motivadas em grande parte pela animosidade contra os partos e contra os povos das estepes denominados Xiongnu (os ‘hunos’ romanos).
Era natural que um intercâmbio maior se desenvolvesse entre os kushans e os chineses, e foi o que aconteceu. Estando mais próximos do território chinês, o império kushan recebia grande parte das rotas chinesas e redistribuía os produtos por vários caminhos diferentes. Muitos chegavam aos empórios romanos instalados nas regiões costeiras do oeste indiano, ou mesmo no território Andhra – reino indiano que havia se estabelecido nas regiões central e sul da Índia, onde os kushans não haviam chegado. A profusão de produtos e mercadores chineses não passou despercebida pelos indianos. Nessa época surgem as primeiras iniciativas de levar a mensagem budista para a China, e o ponto de partida dessa iniciativa era a comunidade Mahayana de Gandhara, região situada no atual Afeganistão.
As primeiras movimentações budistas para fora da Índia dirigiram-se tanto ao mundo mediterrânico quanto ao mundo chinês. Apesar das dificuldades impostas pelos partos, os budistas conseguiram chegar até o Ocidente. Clemente de Alexandria atesta que os seguidores de ‘Bouta’ circulavam pelo oriente médio (Stromata, 1:15); ele inclusive os diferencia dos brâmanes, sabendo que se tratam de duas religiões diferentes. Há uma certa especulação se as religiões indianas teriam influenciado o gnosticismo, mas nada ficou consistentemente provado.  Sabe-se também que conseguiram instalar uma stupa em Merv, uma das principais cidades partas. O fato, porém, é que os budistas não alcançaram o sucesso desejado. Não existem evidências de atividades budistas significativas durante esse período no império romano. No século +2, o movimento religioso que realmente cresceria no ocidente era o cristianismo, gradualmente encobrindo os cultos de origem oriental. Qualquer explicação para o aparente ‘insucesso’ budista no mundo mediterrânico seria, pois, igualmente especulativa. É provável que a ausência de comunidades organizadas ou de especialistas (monges treinados) em número significativo tenha falido o projeto. Todavia, isso ainda não era claro para os budistas da época. A arte budista gandhariana havia definitivamente incorporado os elementos Greco-romanos em sua estatuária, construindo representações absolutamente autênticas. Assim, o caminho para a China continuava sendo uma opção para a difusão da mensagem budista.  

A primeira missão budista na China
A chegada do Budismo na China pode ser rastreada por duas documentações distintas: uma proveniente da historiografia chinesa tradicional e outra, a literatura histórica budista chinesa.
Contudo, as descrições da vinda dos budistas ao país, em ambas a fontes, são posteriores ao período Han, que se encerrou no início do século +3. A articulação política notável da rota da seda se evidenciou pelo dominó de impérios que caíram no século +3: a Pártia foi arruinada pelos Sassânidas, e a dinastia kushan também foi varrida do mapa. Somente Roma permaneceu, apesar dos percalços pelos quais passaria. Por essa razão, há uma grande distância histórica entre as fontes e as possíveis tradições ligadas à vinda do budismo ao país.
No Weishu (‘O Livro de Wei’, séc. 6), somos informados que a primeira visita oficial dos budistas a corte chinesa se deu durante o reinado do imperador Ming de Han (+58 a +75). O imperador teria autorizado a construção de um mosteiro na cidade de Luoyang, e mandou importar uma grande quantidade de textos e relíquias da Índia para estabelecer a religião no país.
Há alguns problemas evidentes no texto do Weishu. A primeira delas é que não há nenhuma referência no Hou Hanshu (O Livro de Han) sobre a chegada desses missionários, constituindo uma ausência notável. Essa observação pode ser relevada: afinal, a chegada dos budistas pode ter sido considerada como algo menos importante no período Han. Outros aspectos mais problemáticos se apresentam no texto do Weishu. O principal deles é a confusão patente que os chineses faziam (ou, que Weishou, redator do Weishu fez) entre Buda e um antigo sábio chinês do século -6, Laozi. O próprio capítulo se chama ‘Shilaoji’, que traduzido seria algo aproximado a ‘Registros do Buda (Foshi) e de Lao (Laozi)’, ou ainda, ‘registros do budismo e do daoísmo’. O erro se devia a um antigo mito chinês envolvendo a figura de Laozi, que o Weishu associava a vinda do budismo. Laozi é o mítico fundador do Daoísmo, doutrina que pregava o desprendimento do mundo material por meio de um retorno a ‘natureza original humana’. Os daoístas defendiam que a cultura era uma corruptora da natureza humana, e por essa razão, o praticante do daoísmo deveria se dedicar a uma vida frugal e hedônica, seguindo um curso natural das coisas que era representado pela palavra ‘Dao’ (caminho, via, método). Laozi, desgostoso com a situação de sua época, teria subido no lombo de um búfalo e sumido nas terras do oeste. Antes de ir, porém, teria legado a um humilde guarda da fronteira seu sucinto livro, composto de apenas oitenta e um versos, chamado de Dadodejing (Tratado do caminho e da virtude). O Daodejing é o texto fundador do daoísmo filosófico. Desde então, o daoísmo se desenvolvera na China, mas acabou se dividindo em dois movimentos distintos: o daoísmo filosófico (daojia) e o daoísmo religioso (daojiao), que se aproximou da antiga religiosidade popular chinesa e construiu toda uma nova religião a partir disso.
Por essa razão, quando o budismo chegou à China, ele encontrou um daoísmo bem organizado, com diversas comunidades espalhadas pelo país. O daoísmo religioso era bem diferente do filosófico: enquanto os filósofos daoístas procuravam manter o ideal de Laozi, e já estavam bastante diminuídos em número durante a dinastia Han, o daoísmo religioso se destacou por procurar outras formas de compreender o ‘dao da natureza’. A principal delas era a busca da imortalidade por meio de uma rica e complexa alquimia, que envolvia a devoção a inúmeras deidades, a criação de uma vasta farmacopéia mágica, e rituais diversos de exorcismo e mediunidade. Qual a razão, então, do redator do Weishu apresentar essa confusão entre o daoísmo e o budismo?
O primeiro argumento era de que o budismo seria a doutrina de Laozi, que retornava a China! (Lewis, 2009, p.205) Na mentalidade chinesa, pois, Laozi teria ido para a Índia, continuara ensinando, e o budismo seria uma derivação do daoísmo. Tendo em vista que o Weishu foi redigido em torno do século +6, quando já existia uma significativa comunidade budista na China, essa impressão errônea mostra que os budistas demoraram algum tempo para realmente se destacarem na sociedade.
Nesse ponto, a literatura histórica budista parece mais plausível do que a historiografia chinesa. No Chu Sanzang jiji (‘Notas sobre a tradução da Tripitaka’), livro que conta a história da tradução das escrituras budistas na China, ficamos sabendo que durante a dinastia Han somente alguns solitários mercadores devotados ao budismo se dedicavam a tarefa de passar alguns textos pális para o chinês (Zurcher, 2012, p.2-4). Apenas na segunda metade do século +2 teria chegado à China Lokaksema, enviado indiano que trazia uma coleção de textos mahayanas. Mesmo assim, ele teve uma surpresa desagradável quando descobriu que um emissário vindo da Pártia, An Shigao, havia trazido também uma série de textos hinayanas para o país. An Shigao não era um monge qualquer: ele fora um príncipe parto que desistiu de suas pretensões ao poder para dedicar-se a vida monástica. Provavelmente vinha da comunidade budista de Merv, que citamos anteriormente. Era um tradutor brilhante, mas que teve poucos seguidores. Para a sorte de Lokaksema, os hinayanas não fizeram mais incursões significativas nesse período, deixando espaço aberto ao budismo vindo de Gandhara (Yang, 1984). Com o tempo, Lokaksema também provaria ser um excelente tradutor e organizador da sangha na China (Zurcher, 2007, p.35-6), e abriria espaço para a vinda do grande sábio budista Kumarajiva (344 +413), que construiria uma escola de tradução de textos mahayanas e consolidaria o acesso chinês aos textos da doutrina.

A instalação do Budismo
Apesar das crises que afetaram os grandes impérios no século +3, a rota da seda continuou fluindo, embora com menor intensidade. Mesmo assim, Solano - escritor latino do século +3 - afirmava conhecer os chineses, que considerava uma gente pacífica, mas que não gostava de se misturar e que tinha dificuldades de se comunicar (Coedes, 1910, p.84); já Bardesano admirava-os por achar que não eram idólatras, e que não conheciam nem a violência ou a prostituição (idem, p.77)- aparentemente, Solano estava absolutamente certo sobre a ‘dificuldade de comunicação’ dos chineses, para que Bardesano pudesse ter criado impressões tão equivocadas.
Os chineses estavam espalhados pelo mundo, e mesmo que a China se separasse em três reinos independentes – Wei, Wu e Shu – ela continuava poderosa, e atraia viajantes de todo mundo, principalmente os budistas indianos. A dinastia Wei, em particular, será uma grande estimuladora o Budismo. Esse impulso seria de vital importância para afirmar a autenticidade do budismo perante a sociedade chinesa. Obviamente, isso não foi bem recebido pelos daoístas religiosos, mas a China – tal como Roma – tinha por tradição aceitar religiões estrangeiras desde que elas não se intrometessem nos assuntos políticos, cumprissem a lei civil, e se submetessem a autoridade do imperador. Como os budistas não representavam problema em nenhum desses sentidos, não havia então impedimento para seu estabelecimento.
De qualquer forma, o budismo demorou um pouco para se distinguir do daoísmo. Foi necessário que Mouzi, um acadêmico convertido ao budismo, escrevesse um pequeno texto chamado ‘Lihoulun’ (‘Diálogo para esclarecer princípios’) para explicar as diferenças entre a nova doutrina e o pensamento chinês tradicional. Mesmo assim, o budismo não ficou isento de críticas. Os intelectuais confucionistas ficaram preocupados com a doutrina budista, por entender que ela ameaçava algumas instituições da sociedade chinesa (Zurcher, 2007, p.13).
Para entender essa reação dos confucionistas, precisamos novamente retornar ao passado chinês. Tal como o daoísmo, o confucionismo surgiu em torno do século -6, baseado na doutrina criada pelo sábio Confúcio (-551 – 479). Confúcio, porém, foi um personagem real, cuja proposta era eminentemente educacional, filosófica e política. Ele defendia que a articulação da sociedade se dava em função da cultura, e que essa só poderia ser devidamente promovida pela educação. Sem educação, pois, seria impossível governar um país, já que a sociedade desconheceria os costumes, as leis, seus direitos e deveres. A educação, o estudo da história, das artes e de uma espécie de sociologia cultural (chamada de ‘Li’[10]) constituiria o ‘dao’ confucionista. O confucionismo foi alçado à condição de ideologia estatal da dinastia Han, e tornara-se a base da educação chinesa.
Os confucionistas acreditavam, portanto, na manutenção da sociedade por meio da cultura. Em função disso, já existia uma certa animosidade entre eles e os daoístas, que eram entendidos como preguiçosos, supersticiosos e pouco educados por conta de seu discurso de desprendimento material e religiosidade. Mesmo assim, os daoístas encontraram seu lócus específico justamente no campo das crenças religiosas, espaço da mentalidade chinesa menosprezado pela intelectualidade confucionista. Isso gradualmente trouxe um equilíbrio na relação entre ambas as doutrinas, e durante a dinastia Han já era possível encontrar pensadores que acreditavam ser possível conciliá-las. No entanto, a chegada do budismo representava um desafio mais sério.
Os budistas não pregavam apenas o desprendimento material, mas incitavam a substituição do trabalho pela meditação. O modelo do monastério budista tradicionalmente não era auto-sustentável, mas buscava amparo e financiamento do Estado, o que os confucionistas achavam um absurdo. Como se não bastasse, os budistas estimulavam a mendicância. Também defendiam o celibato, e se punham diretamente contra a família, instituição que era o centro da vida social chinesa. Os budistas que vinham para a China traziam ainda consigo relíquias para veneração, que incluíam supostos restos humanos de Buda ou de santos budistas. Esse tipo de idolatria apavorava os confucionistas, que estavam acostumados a cultuar os ancestrais, mas de maneira simbólica e distante. Não fazia muito sentido para eles que restos mortais de alguém pudessem interceder pelos vivos. Por fim, a questão do nirvana: primeiro, era um conceito estranho ao pensamento chinês. Para os daoístas, os mundos espirituais e materiais estavam interligados; para os confucionistas, as regras da vida valem para o mundo material, e não para outros mundos. Cada mundo, pois, com suas leis. Mas o que indignava os confucionistas era a idéia de que aqueles que meditavam poderiam atingir o nirvana, enquanto que aqueles que sustentavam os meditadores não o atingiriam– e nisso os confucionistas não enxergavam qualquer tipo de justiça divina. O número crescente de adeptos do budismo preocupou seriamente os confucionistas, que viram nisso um indício de corrupção social. Fiéis, porém, ao discurso da tolerância e da aceitação, os confucionistas não construíram qualquer tipo de oposição organizada – ou ao menos, não deixaram indício. Muitos, na verdade, se interessaram pela metafísica budista, que como vimos, era uma área de conhecimento ausente do confucionismo. Somente no século +8 a China conheceria um crítico brilhante e assumido contra o budismo, Hanyu (768 + 824). (Morton, 1986) Mesmo assim, os budistas foram obrigados a redigir um tratado, o ‘Discurso das Refutações’ (‘Zhengwu Lun’, aprox. séc.4), para se defender das inúmeras acusações que lhes foram imputadas – e é por ele que temos uma idéia do que os principais adversários do budismo o acusavam (Zhurcher, 2007, p.15).
Ainda assim, se pudermos acreditar nas fontes sino-budistas, a instalação na China frutificou. No período Han, se teria inaugurado em Luoyang o ‘Templo do cavalo branco’ para receber os budistas no país. Como os chineses ainda não conheciam bem o budismo e seus problemas internos, o ‘Templo do cavalo branco’ recebia e abrigava tanto os hinayanas quanto os mahayanas. Isso criava situações constrangedoras, como foi o caso de Lokaksema, quando descobriu todo o trabalho que An Shigao já tinha realizado por lá (Yang, 1984). No entanto, a capacidade de adaptação dos budistas mahayanas foi decisiva para sua aculturação na China.


Parte 5: O grande período de desordem

Quase na mesma época que Foucher andou pela Índia, outros estudiosos estavam vivamente interessados na exploração da Ásia central. Em 1904, Aurel Stein realizou uma missão de exploração seguindo o trajeto da rota da seda, em busca dos caminhos que Marco Polo teria trilhado. A experiência de sua viagem foi fundamental para que outro pesquisador, Paul Pelliot, organizasse em 1906 uma nova expedição, que iria contribuir substancialmente para a história do Budismo.
Pelliot era um militar francês experiente, tendo lutado com distinção contra os Boxers, em 1900, no cerco da legação estrangeira de Beijing. Profundamente interessado nas civilizações asiáticas, ele havia estudado indologia com Silvan Levy e sinologia com Edouard Chavannes, simplesmente os maiores especialistas franceses da época nessas áreas. Após ser despachado para a Ásia, ficou algum tempo em Hanoi, capital da Indochina francesa, antes de ir para a China em 1900. Tempos depois, acabou retornando a França, onde começou a preparar a expedição que seguiria um roteiro semelhante ao de Aurel Stein. Seu mestre Chavannes teria um papel fundamental, como veremos depois, na definição de sua rota.
A missão de Pelliot sairia do Oriente Médio, atravessando a mesopotâmia em direção a Ásia central, mapeando os sítios históricos e arqueológicos do Afeganistão, Índia, Nepal, atravessando o deserto de Taklamakan e adentrando a China pelo território do Xinjiang, seguindo a rota da seda pelo deserto. O objetivo era traçar o caminho das caravanas até as antigas capitais imperiais chinesas, ponto final da expedição.
Já na China, Pelliot quis investigar o relato sobre as cavernas de Mogao, situadas na região do Gansu, perto da prefeitura de Dunhuang, nas quais existiria uma vasta coleção de arte budista. Ao deparar-se com o local das cavernas, próximo de um antigo oásis da rota da seda, Pelliot foi surpreendido por um magnífico complexo de grutas recheadas de relevos e pinturas budistas. O grande prêmio de Pelliot, porém, foi uma biblioteca magnífica de textos chineses antigos, na sua maioria budista, guardada apenas por um monge cansado, que foi convencido a vendê-la por um preço irrisório. Pelliot passou três semanas separando o que havia de melhor naquela coleção, e precisou montar uma caravana para levar a coleção até Beijing, de onde foi despachada para a França. A aquisição de Pelliot pode ser considerada hoje, sem receio, como mais um dos saques artísticos e arqueológicos característicos dos tempos imperialistas, com a concordância tácita das autoridades locais (Hopkirk, 1980). Stein havia também adquirido uma parcela significativa dos mesmos manuscritos de Dunhuang, embora em quantidade (e qualidade) consideravelmente menor. Isso ocorreu porque Pelliot fora orientado por Chavannes a examinar a biblioteca de Dunhuang com um cuidado e atenção ao que lhe oferecessem. Anos antes, Stein havia remetido a Chavannes alguns dos documentos que havia encontrado nas cavernas. Chavannes reparou que existiam muitas cópias recentes e fragmentos dispersos de livros, o que indicava a ignorância de Stein na língua chinesa. Por outro lado, o material indicava que era possível existir uma grande quantidade de textos antigos e valiosos nas grutas, ao que ele orientou Pelliot a examiná-los mais atentamente. A diferença no preparo entre Stein e Pelliot marcou a abissal discrepância entre o saque dos dois: e a França foi brindada com uma coleção inédita e de valor incalculável de textos chineses. Contudo, a descoberta de Mogao foi ainda mais importante por outros motivos: ali, estava registrado o ponto de passagem do budismo para a China, um museu vivo para compreender as transformações na arte budista que penetrara no país (Cordier, 1925).
Mogao juntou-se a dois outros importantes centros artísticos do budismo chinês, as grutas de Longmen (perto de Luoyang) e as grutas de Yungang. Nelas, surgiu a arte budista chinesa, que conjugava a arte budista indiana com os elementos advindos da mentalidade chinesa, criando uma iconografia original e que serviria de base para a consolidação de uma imagem de Buda intercultural mahayana (Liang, 1984, p.31-5). Curiosamente, Paul Pelliot desenvolveu uma teoria pouco convincente de que o budismo teria entrado na China por via marítima, pelo sul do país (Rong, 2004). No entanto, em Mogao, ele pode constatar que algumas das idéias propostas por Foucher eram válidas: ali existiam Budas vestidos em roupas parecidas com as túnicas gregas ou togas romanas. Os budistas passaram da Índia para a China por ali, deixando rastros de suas peregrinações.
A sensação em torno das descobertas de Pelliot atraiu a atenção dos pesquisadores para Dunhuang. Até então, se supunha que as grutas de Longmen e Yungang eram os mais antigos monumentos budistas chineses, construídos ao longo dos séculos desde o século +5. Curiosamente, o estudo aprofundado das pinturas nas cavernas de Mogao mostrou, porém, a coexistência de imagens diversas de Buda, umas influenciadas pela escola de Gandhara e outras, pela escola da Mathura. O Buda de Gandhara, sempre envolto num toga ou numa túnica grega, contrastava com o Buda desnudo de feições indianizadas. Durante um bom tempo, essas observações implicaram na idéia de que a instalação de Mogao precedia todos os outros sítios chineses. A existência de algumas passagens da história chinesa Han nas paredes de Mogao só aumentava a certeza sobre esses indícios.
No entanto, a análise da literatura histórica, tanto chinesa quanto a sino-budista, revelou uma total ignorância sobre o lugar antes do século +5. Com o surgimento dos exames de carbono 14, a datação de muitos murais também foi deslocada para o século +6. O que isso poderia significar? Olhando no mapa, continua fazendo sentido pensar que Mogao era rota de passagem para Yungang ou Longmen. No entanto, Mogao serviu durante anos apenas como uma parada para descanso na rota, e ocasionalmente como refúgio para meditação. Os missionários budistas preferiram, de fato, se dirigir para as capitais imperiais chinesas, em busca de patrocínio e projeção. Assim, Mogao demorou algum tempo para se transformar, também, num importante centro budista. Somente no período do século +5 é que haveria a grande expansão do budismo, em meio a uma China em crise (Duan, 1993). O desenvolvimento de Mogao, Yungang e Longmen foi praticamente concomitante; mas enquanto Mogao continuou recebendo viajantes budistas indianos hinayanas e mahayanas, que reproduziam em grande parte a iconografia indiana de Mathura e Gandhara, foi em Longmen e Yungang que surgiu uma iconografia budista originalmente chinesa.

Uma época tumultuada
Estamos quase no fim de nossa trajetória histórica. O tempo situado entre o fim da dinastia Han, no séc. +3 até o séc. +5 é crucial para entendermos a expansão e a consolidação do budismo na China. É no século +5 que começa a construção das grutas de Yungang, tema de nossa parte final, em que uma iconografia sino-budista legítima irá surgir.
Após toda longa caminhada da Índia a China, o budismo instalou-se no país e conseguiu conquistar uma faixa significativa da população. Apesar das oposições de daoístas e confucionistas, pode-se dizer que o budismo alcançou sucesso na China por duas razões fundamentais:
- A primeira é de que o budismo oferecia um discurso teológico e metafísico que ocupava o vácuo existente, nesse sentido, no pensamento chinês. Como vimos, a mentalidade chinesa tendia a um certo materialismo, e o único contrabalanço disso era dado pelo daoísmo religioso, que de qualquer forma, ligava o mundo terrestre ao celeste. Os chineses talvez possuíssem algumas explicações para problemas centrais da existência, tais como ‘existe vida após a morte?’, mas elas não foram conhecidas o suficiente para montar um sistema que pudesse resistir à chegada do budismo. A metafísica budista, alicerçada em séculos de debate com o hinduísmo, supria essa lacuna do pensamento chinês. O budismo oferecia respostas sobre os destinos da alma, vida após a morte, karma, formas de salvação espiritual, entre outras muitas coisas, que atingiram em cheio a imaginação dos chineses.
- O segundo fator é que a perspectiva salvacionista e universal do budismo trouxe esperança e alívio espiritual para milhares de camponeses e pessoas pobres, que não dispunham de acesso a formação acadêmica confucionista ou que não conheciam os ‘mistérios’ do daoísmo. O daoísmo religioso carecia de um sistema metafísico organizado, e seu sistema iniciático afastava as pessoas comuns de sua prática. Quando o budismo surgiu oferecendo conforto a alma dos desvalidos, e afirmando que o nirvana poderia ser alcançado por qualquer um, isso causou uma revolução na mentalidade religiosa chinesa. Para as classes mais baixas da China antiga, o budismo parecia-lhes uma religião feita por encomenda (Lewis, 2009, p. 196-221).
Claro, isso trouxe consigo certas implicações. Embora adquirisse popularidade, a pregação budista fez um vasto contingente de trabalhadores largarem seus ofícios para se entregar a meditação. Aos olhos do governo, isso era preocupante. Tornou-se comum acusar os mosteiros budistas de serem antros de degradação moral, já que neles ninguém trabalhava, misturavam-se homens e mulheres, e o ocasionalmente fazia-se sexo sem compromisso familiar. Isso exigiu que os budistas fizessem certas adaptações em seus discursos – e essa era grande vantagem do sistema mahayana. Aos poucos, os mosteiros separaram os sexos, começaram a defender o trabalho braçal como uma forma de terapia corporal, e a admitir que pessoas que ajudassem os mosteiros poderiam adquirir mérito espiritual, ao invés de se dedicarem a meditação. Ainda assim, grande parte dos mosteiros continuou vivendo de subvenções estatais, e eram dispensados do pagamento de impostos.
Tudo isso se desenrola nesse espaço de tempo, em que a China se fraciona e se junta com uma rapidez tremenda. De 220 a 280, ela está dividida em três reinos; durante um breve período, a China é reunificada pela dinastia Jin. Em 320, porém, os Jin têm seu território partido ao meio; com dificuldade eles sobrevivem no sul até 420, enquanto o restante do país se divide em dezesseis reinos diferentes. Montar um quadro completo dessa desunião é matéria de um livro inteiro, e não nos cabe aqui. Nos ateremos ao que acontece com o budismo em meio a esse período turbulento e conflituoso, em que a guerra se torna uma realidade constante, e a sociedade é flagelada pelos seus inimigos comuns nas épocas de crise: fome, doença, corrupção e violência.
Um quadro desses não é inspirador para a maior parte das coisas, mas para as religiões ele é um campo fértil. Os budistas, acostumados a lidar com as rápidas transições de poder desde os tempos da Ásia central, aprenderam a observar cautelosamente o contexto difícil no qual estavam inseridos. Suas pregações pela paz, alívio das dores e purificação tornaram-se extremamente populares, e a doutrina difundiu-se rapidamente pela população mais pobre. Embora as especulações metafísicas budistas exigissem tanto estudo e abstração quanto o daoísmo ou o confucionismo, a essência da mensagem religiosa budista era simples e fácil de guardar. Conhecendo as quatro nobres verdades e o caminho óctuplo [ver capítulo sobre budismo], podia-se conhecer o método fundamental para obter o nirvana; e com as devidas adaptações feitas pelos mahayanas, o culto correto as deidades, a prática do altruísmo e da caridade já rendiam ganhos kármicos, dispensando muitos das sutilezas dos discursos monásticos e doutrinais.
Os budistas traziam consigo, porém, a iconografia importada de Gandhara, e o impacto material dessas representações marcou definitivamente a arte chinesa.  Até então, as representações chinesas que poderíamos classificar de ‘religiosas’ eram discretas perto do estilo gandhariano. Os chineses sabiam construir grandes monumentos, como é o caso da tumba de Qinshi Huangdi (-206), com seus milhares de guerreiros de terracota. Mas todo esse material ficava enterrado, e não era para ser visto – era uma característica da arte funérea chinesa. A arte budista se destacava pelo interesse vivo em se apresentar ao público, transmitindo suas mensagens de conteúdo religioso, o que consistia uma das estratégias do seu proselitismo. Além disso, o domínio das formas corporais do naturalismo grego impressionou vivamente os chineses, representando mais um fator de atração.  
Interessados em angariar méritos espirituais e apoio do povo, alguns governantes chineses desse período começaram assim a patrocinar a construção de monumentos budistas. É nesse período que surgem as grutas de Longmen e de Yungang – essas últimas, que nos interessam em particular aqui.
Embora tenham surgido quase na mesma época, pode ser atribuída a Yungang a primazia da criação de uma iconografia legitimamente sino-budista. Longmen ficava situada próxima de Luoyang, onde teria se instalado o primeiro templo budista ainda na dinastia Han, como vimos. No entanto, Luoyang havia sido capital dos impérios chineses diversas vezes, além de ser uma cidade grande e rica: por isso mesmo, ela se tornou alvo de saques e depredações constantes, o que prejudicou, muitas vezes, a construção e conservação de seus monumentos. Já o complexo de Yungang começou a surgir sob o patrocínio da dinastia Wei do Norte (ou Tuoba Wei, 386 +534), cuja origem nômade, fortemente ligada a Ásia central, favoreceu a absorção do budismo pelo governo (Lewis, 2009, p.144-6). Yungang fica hoje na cidade de Datong, distante aproximadamente 60 km da atual Beijing. Na época, no entanto, essa região não era intensamente habitada como hoje, e a maior cidade da área era a modesta Pingcheng, escolhida para ser a capital da dinastia. O povo Tuoba, que invadira o norte da China, possuía características culturais muito próximas aos hunos e mongóis, e embora mantivesse o poder político e militar, havia uma dificuldade muito grande em governar o território sem ajuda da burocracia chinesa. Em pouco tempo, a complexidade da cultura e do pensamento chinês conquistaram os Tuoba, que adotaram o nome dinástico de ‘Wei do Norte’ e iniciaram um processo de sinização da sociedade – ainda que impregnado de elementos de suas tradições anteriores. Isso não impediu que em 442, por exemplo, um governante Tuoba, o imperador Taiwu, proclamasse que o império se tornara uma ‘teocracia daoísta’. Provavelmente sua intenção era agradar alguns setores chineses mais tradicionais que o auxiliavam na administração pública, mas isso implicou num subseqüente clima de perseguição religiosa, que afetou diretamente os budistas (Caswell, 1988, p.4). Esse breve período durou quase 10 anos, até que em 450 grupos inteiros de chineses foram expulsos do império ou deportados para outras regiões, por causa de suas ingerências junto ao poder. Em 452, Taiwu, que havia decretado a perseguição ao budismo morre, e seu sucessor revoga imediatamente seus decretos (idem Caswell, 1988). Embora tivesse durado pouco, esse período trouxe uma grande insegurança às comunidades budistas, que até então tinham considerado o governo Wei do Norte como um aliado natural de seus interesses missionários. Templos foram saqueados, e muitos monges foram despojados de seus bens ou mesmo presos nesses tempos de perseguição.
Interessado em compensar os budistas pelos danos aos quais haviam sido submetidos, os governantes Tuoba decidiram estimular novamente a construção de templos e comunidades. Dessa vez, apoiaram um projeto absolutamente inovador proposto pelos budistas: a construção de grutas-templo em Yungang, perto de Pingcheng. Até então, os chineses ainda não haviam visto esse tipo de edificação em pedra. As grutas serviriam tanto para refúgio meditativo quanto para adoração das deidades, biblioteca, monastério e, ocasionalmente, como abrigo de viajantes. Diferente de Mogao, Yungang nasce com esse intuito, e toma a dianteira na elaboração de um monumento inteiramente dedicado ao budismo. Entre 455 e 459, começam então as primeiras escavações e construções das grutas, sob orientação direta de artistas e especialistas budistas gandharianos. Por quase trinta anos, Yungang foi o centro da produção de iconografia budista na China, até 493 quando os Tuoba mudam sua capital para Luoyang, e iniciam a construção das grutas de Longmen (Yang, 1984). Quando se mudam, no entanto, já levam consigo a experiência das grutas de Yungang, que continuaram a crescer e se desenvolver pelos próximos séculos.
São nas primeiras grutas de Yungang que veremos nascer, portanto, a última transformação na imagem do Buda gandhariano, que ganhará seus últimos contornos chineses antes de alcançar sua forma final como um ícone do budismo mahayana. É a partir desse Buda que toda uma iconografia será produzida na China e no Extremo Oriente, carregando consigo séculos da experiência intercultural de indianos, gregos, romanos e chineses.  


Parte 6: A criação das grutas de Yungang

Edouard Chavannes, o mestre de Paul Pelliot, foi certamente um dos maiores sinólogos que o mundo ocidental já conheceu. Sua proficiência em chinês tornou-se quase lendária, e durante anos ele se dedicou a traduzir as ‘Recordações Históricas’ de Sima Qian, obra fundamental para compreender a história da China antiga. Além de Pelliot, Chavannes foi professor também de Marcel Granet, sinólogo inovador que foi um dos primeiros a utilizar os métodos sociológicos na História muito antes da famosa ‘Escola dos Analles’. Chavannes era um excelente professor, e um pesquisador multifacetado: suas experiências com a arte chinesa o levaram a estudar diversos aspectos da iconografia dessa civilização, sendo o primeiro pesquisador ocidental a analisar as grutas de Yungang.
Foi assim que, em 1907, enquanto seu discípulo Pelliot realizava o percurso da rota da seda, Chavannes seguia o rastro de um conjunto de grutas budistas pouco conhecidos dentro da própria China. A primeira menção que Chavannes ouviu sobre essas grutas foi de uma missão japonesa feita em 1902, que as localizou a partir da indicação feita num antigo édito chinês do século 17, proclamado pelo imperador Kangxi. Kangxi, que pertenceu a última dinastia chinesa, os Qing, determinara a conservação do monumento, após séculos de descaso. O complexo de Yungang nunca tinha sido completamente abandonado, mas estava em mal estado de conservação, e aparentemente poucos monges viviam no lugar. As dinastias anteriores não se preocuparam muito em cuidar ou subvencionar as grutas, como usualmente faziam com os templos instalados nas cidades (ou próximos delas). A atitude de Kangxi pode ser considerada uma das primeiras tentativas conscientes na história chinesa de conservar seu patrimônio, uma postura relativamente diferente daquela que permeia o senso histórico chinês (André, 2010). No entanto, a iniciativa de Kangxi não foi continuada por seus sucessores, e Yungang ficou quase abandonada até o início do século 20. Foi a missão do Instituto Imperial de Arquitetura de Tóquio de 1902 que tirou do limbo a existência das grutas de Yungang.
Chavannes ficou extremamente curioso por essas grutas, e em1907 estava na China fotografando, analisando e revelando-as novamente para o mundo. Anos antes, ele havia recebido de Foucher uma série de fotografias de monumentos budistas sino-indianos, para que pudesse analisar e explicar as origens daquela possível iconografia. Quase na mesma época, Aurel Stein o procurou também para identificar os textos budistas que recolhera em Mogao (Cordier, 1925). Chavannes ligou os pontos, e traçou um mapa mental que conectava Índia e China através de Gandhara, Mogao, a rota da seda chegando, finalmente, a Yungang. Essa seria a chave para explicar a formação da iconografia sino-budista.
O trabalho de Chavannes, ‘Missão arqueológica na China setentrional’ (1909) apresentou ao mundo a magnificência desse monumento até então desconhecido. Junto com o trabalho de Pelliot, eles recriaram um panorama da história budista na China que nem mesmo os próprios chineses conheciam. Obviamente, uma rica coleção com mais de duzentas relíquias e fragmentos do complexo foram levados para a França. Chavannes passou ainda alguns anos se dedicando a tradução de textos clássicos chineses que apresentassem trechos sobre as relações com os países do ocidente. Contudo, seu trabalho sobre Yungang despertou a atenção de muitos especialistas que foram até lá estudar o complexo. Em 1915, uma nova missão japonesa foi enviada para mapear as grutas e tentar estabelecer uma cronologia para elas. Em 1925, o pesquisador Osvald Siren publicou também um extenso livro em quatro volumes sobre arte chinesa, incluindo o monumento de Yungang. Apenas em 1938 é que Mizuno e Nagahiro, ambos japoneses, propõem uma datação para o complexo que o colocaria em primazia em relação à Mogao e Longmen (Coswell, 1986, p.6).
Dessa vez, porém, os chineses não ficaram parados assistindo. Apesar de todas as dificuldades econômicas e sociais pelos quais passavam, alguns intelectuais chineses iniciaram um tímido, mas decidido, processo de investigação de seus monumentos históricos. As dificuldades não eram poucas: em 1911, o regime imperial simplesmente deixa de existir, dando lugar à República – conceito político absolutamente novo para o povo chinês. O novo governo enfrentou todo o tipo de dificuldade, desde um princípio de guerra civil contra os grandes latifundiários do interior (denominados ‘Senhores da Guerra’), até a primeira invasão japonesa (1931) e o surgimento da guerrilha comunista a partir de 1927. Em meio a isso, o trabalho acadêmico chinês era feito de iniciativas individuais, por eruditos formados tanto nas tradições clássicas confucionistas quanto nas técnicas ocidentais de pesquisa.
Em 1918, Chen Yuan foi o primeiro desses pesquisadores a se arriscar nas grutas de Yungang, sem qualquer suporte oficial. Ele publicou alguns artigos sobre o tema, em periódicos chineses, alertando para os perigos de saque e degradação que o complexo poderia sofrer, principalmente após a construção de uma ferrovia que passaria próximo do complexo. Como conhecia bem os textos em chinês clássico, fez uma exaustiva pesquisa entre os textos históricos e a literatura budista para detectar fragmentos que permitissem situar, historicamente, a construção e o desenvolvimento das grutas. Embora Chen Yuan seja pouco lembrado nos trabalhos ocidentais, ele foi fundamental para que pudéssemos conhecer a história de Yungang mais detalhadamente. Foi ele, por exemplo, que identificou no Weishu a primeira petição para a construção de um conjunto de grutas, feitas por um monge chamado Tanyao, no mesmo texto do ‘Shilaoji’ que havíamos comentando no capítulo 4. Essa pequena citação, como veremos adiante, foi crucial para a datação das grutas.
Quase quinze anos depois, os trabalhos de Chen Yuan angariaram adeptos em número suficiente para que discutisse, em 1934, a formação de uma associação para o estudo e a conservação das grutas. Em 1935, Zhenduo publica uma série de novos trabalhos sobre o monumento, e organiza visitas com mais de trinta acadêmicos ao local, formando um grupo de estudiosos no tema. Em 1936, Bai Zhiqian escreve o livro ‘As grutas de Yungang e o templo de Datong’, que é o primeiro trabalho conhecido inteiramente dedicado ao complexo. No entanto, esses trabalhos seriam brutalmente interrompidos pela guerra, em 1936, contra o Japão. Durante a ocupação japonesa, as únicas pesquisas feitas no local foram levadas a cabo pelos japoneses, que só saíram da região em 1944. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1949 a revolução comunista triunfa na China, inaugurando um novo regime e tomando as rédeas do patrimônio histórico e cultural. Os saques estrangeiros viraram crime, e praticamente acabaram. Mas o novo regime passava por dificuldades econômicas enormes, e pouca atenção foi dada a conservação dos monumentos e da pesquisa. Durante o período da revolução cultural (1966-69), quando os ‘ícones da antiguidade’ viraram alvo da fura dos guardas vermelhos, as grutas sofreram depredações sérias. Somente em 1970 os estudos de Yungang foram retomados, e sua conservação se tornou assunto de Estado.
Gradualmente, Yungang passou a ser pesquisada de maneira apropriada, e a preocupação com sua preservação foi responsável pela formação de um instituto inteiramente dedicado ao problema em 1980. Uma grande quantidade de estudos históricos e arqueológicos foi realizado no complexo desde então, com destaque para os estudos de Subai (1956 e 1978) sobre a datação das cavernas e de Zhao Yide (1998), que traça uma história inteiramente dedicada ao complexo, de suas origens até a atualidade. No espaço de um século, Yungang foi retirada do esquecimento e retomada da mão dos saqueadores ocidentais. Todavia, a ironia da história de Yungang – e mesmo de Mogao – é saber que sua sobrevivência se deve, em grande parte, a Chavannes e a Pelliot, que de tão apaixonados pela história dessa civilização, praticamente ensinaram os chineses a retomar o gosto por seu próprio passado, revelando-os monumentos que até então eles mesmos haviam esquecido.

O complexo de Yungang

‘Tanyao implorou a majestade imperial permissão para que pudesse abrir cinco grutas na montanha próxima do passo de Wuzhou, e que pudesse esculpir também uma imagem de Buda de setenta pés de altura e sessenta pés de largura, cuja decoração magnífica clamaria sua glória por todo o mundo’. (Fragmento do Shilaoji, do Weishu)

Nesse pequeno fragmento do Weishu, somos informados que coube a um monge, chamado Tanyao, a permissão para construir o primeiro conjunto de cinco cavernas que comporiam o complexo de Yungang. Em meio ao complexo, uma enorme estátua de Buda seria esculpida na rocha, demonstrando poder de Buda e do imperador. Essa passagem se situa no reinado de Wencheng (452 +465), sucessor de Taiwu, o perseguidor dos budistas. Como vimos anteriormente, o Weishu contém alguns possíveis equívocos de informação e cronologia; porém, análise do texto nos dá uma base para começarmos a compreender ‘quando’ e ‘como’ as grutas começaram a ser construídas.
Num ponto os textos históricos e a literatura budista concordam: o complexo de cavernas de Longmen só começou a ser construído depois da transferência da capital para Luoyang, em 493. Essa afirmação é confirmada por um texto budista, o ‘Recordações históricas dos templos budistas de Luoyang’ (‘Luoyang Qielanji’), escrito por Yang Xuanzhi em torno da metade do séc. +6. (Yang, 1984). Nele, a história do budismo é contada a partir da perspectiva dos monges que viveram em Luoyang, desde a suposta chegada no século +1 durante a dinastia Han, passando por todos os eventos históricos que transcorreram nesse período. Yang pôde acompanhar diretamente a história dos Tuoba-Wei, e suas informações concordam com as do Weishu, dando assim a Yungang a preeminência entre as grutas budistas chinesas.
Curiosamente, há uma imagem que é considerada a ‘primeira imagem de Buda’ na China, que fica na região de Jiangsu, noroeste do país, perto do oceano pacífico. Ela foi esculpida na rocha, no monte Kongwang, e apresenta uma imagem rudemente entalhada, sem refinamento, que lembra vagamente uma representação de Buda em estilo indo-cita. A suposição é de que essa imagem foi feita no período Han, provavelmente por algum mercador de origem kushan que não tinha conhecimentos aprofundados de técnicas artísticas. Essa imagem está cercada de outras, porém, que foram adicionadas posteriormente em seu entorno, o que torna a datação do conjunto ainda mais difícil. Por se tratar de uma história da iconografia budista na China, entende-se que é necessário citar essa obra. Contudo, ela não é relevante para o nosso estudo, por algumas razões claras: a) a incerteza sobre sua datação; b) apesar das semelhanças, é difícil afirmar que se trata realmente de uma imagem de Buda; c) ela não adicionou nada em termos artísticos aos chineses. Mesmo especialistas como Li Zehou (1988, p. 143) e Liu Xujie (2002, p.45) colocam em dúvida a validade de afirmar que essa seja a primeira imagem de Buda na China. Em suma: ainda que fosse a primeira representação de Buda NA China, não seria a primeira representação de Buda FEITA na China, o que são coisas substancialmente diferentes. Isso nos leva, novamente, a construção de Yungang.
Até onde o ‘Shilaoji’ nos informa, as cavernas foram construídas com patrocínio imperial (Caswell, 1988, p.14), e Tanyao pode contratar especialistas vindos de gandhara para a construção das grutas. A construção de cavernas nas montanhas não representava algo novo para os chineses. Desde os tempos primitivos, o povo escava cavernas no Loess para morar (Morton, 1986), e os daoístas também apreciavam o costume de se isolar em grutas retiradas. No imaginário chinês, havia ainda ‘cavernas mágicas’, que apareciam e desapareciam segundo a vontade dos espíritos, abrindo portas para outros lugares ou mundos. O que Tanyao propunha era algo absolutamente distinto dessas experiências anteriores. Seu intuito era o de construir grutas-capelas, que diferente da tradição chinesa, serviriam justamente para a exposição da imagem de Buda. Tanyao provavelmente ouviu falar desse tipo de gruta ao entrar em contato com os monges que vinham da Índia. Tanto em Gandhara como em Mathura e Amaravati, existiam construções desse gênero, mas não nas dimensões colossais que ele concebera. De qualquer modo, a aprovação imperial deu ensejo para que o monge pudesse iniciar seu projeto. Achar arquitetos e trabalhadores não seria uma tarefa sumamente complicada: a região de Gansu estava repleta de artistas gandharianos, espalhados em pequenas comunidades (Juliano, 2002 e Chen, 2002). É em Gansu que será desenvolvido, depois, o complexo de Mogao-Dunhuang. Mas nessa época, as comunidades budistas estão separadas pelas fronteiras instáveis dos reinos chineses, e ainda tem uma ligação forte com a Índia. Tanyao dispunha, portanto, de mão de obra e uma conexão indiana direta pela rota da seda para começar os trabalhos.

As grutas
Tão logo o complexo começa a ser construído, notáveis diferenças surgem entre as tradições greco-indianas e as formas de representação que se desenvolvem em Yungang. Como bem apontou Louis Frederic, especialista em arte indiana, as grutas chinesas nascem sob o signo de uma diferença marcante: a decisiva influência da cultura nativa na formação de uma nova representação de Buda (Frederic, 1959, p.13).
Para isso, precisamos compreender a formação do complexo, e que imagens podemos escolher para podermos perceber as alterações efetuadas no estilo gandhariano.
As grutas tinham objetivos diversos: elas serviam basicamente de capelas para meditação e adoração das imagens budistas. Algumas eram habitadas por monges responsáveis por cuidar do complexo, e ocasionalmente podiam servir de hospedagem. Sabe-se que as cinco primeiras grandes grutas foram construídas com apoio imperial; as restantes foram sendo construídas ao longo dos séculos com o patrocínio de particulares, que esperavam acumular mérito espiritual financiando essas obras (Caswell, 1988, p.21-29). A construção do complexo também não foi contínua; os estudos mais recentes apontam que as escavações foram feitas em períodos descontinuados, até o século +6 – ou talvez, até o +7. Subai (1978) afirmou que a última construção teria sido finalizada em +525, em função, talvez, da atração exercida por Luoyang como centro político e religioso depois da transferência da capital em +493.
O complexo, como um todo, é composto de aproximadamente 250 cavernas, organizadas em 20 grandes grutas ou ‘escavações’. Existem mais de 50.000 imagens de Buda e de bodhisatvas[11]entalhadas nessas grutas, e detectar as primeiras imagens produzidas nesse complexo é uma tarefa obviamente difícil.
Desde os trabalhos de Mizuno (1938), baseado ainda em análises de estilo e do posicionamento das escavações, se supôs que o conjunto formado pelas grutas 16 a 20 seria o mais antigo. Essa idéia foi parcialmente comprovada por escavações posteriores que revelaram inscrições dedicadas aos patronos dos outros conjuntos de grutas. Embora Subai discordasse de algumas das proposições apresentadas por Mizuno, basicamente ele também concordava com a idéia de que as primeiras grutas a serem escavadas foram de 16 a 20. Subai se baseava num antigo texto chamado ‘Epígrafe de Jin’[12], que ele havia descoberto, no qual se mencionava o suporte dado por um eunuco da corte as obras de construção das grutas. O texto parece se tratar de uma compilação de dados históricos da dinastia Tuoba-Wei, e indica a construção do complexo de Yungang. Apesar de ter sido transcrito no século +11, as informações contidas da ‘Epígrafe de Jin’ foram recolhidas a partir de fontes mais antigas, e apontavam para a confirmação das suposições de Mizuno. Com base nisso, considera-se atualmente que os conjuntos de 16 a 20 são, de fato, os mais antigos. Desde 1999, Margareth Rhie têm feito um extenso levantamento da arte budista na China e na Ásia central[13], identificando as conexões entre a arte gandhariana e as grutas de Yungang dos conjuntos de 16-20 (Rhie, 1999, vol. 3). São nessas grutas que acharemos as imagens que fecham, finalmente, nossa pequena viagem iconográfica, apresentando, enfim, os primeiros Budas chineses.


Opúsculo

   Ao fim de toda essa trajetória, surgiu o artigo ‘Um Buda Chinês para os Romanos’. Convido-os a leitura em: http://sinografia.blogspot.com/2013/12/um-buda-chines-para-os-romanos.htmlComo desdobramento de todas essas leituras, veio a luz também o artigo ‘Buda, discípulo de Laozi’. Pode ser lido aqui: http://sinografia.blogspot.com/2013/12/buda-discipulo-de-laozi-controversia-da.html


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[1] Os ‘três cestos’ da literatura budista, que contém as histórias do budismo, os textos especulativos e os textos devocionais.
[2] Usaremos a notação ‘-‘ para datas a.C. e ‘+’ para datas d.C., conforme uso corrente na sinologia.
[3] Vemos aqui a razão da incompatibilidade, também, do hinduísmo com o islamismo: enquanto o primeiro defendia a existência dos deuses, a reencarnação, a desigualdade entre os humanos e as interdições dietéticas, o islã defendia a existência de um único deus, que só havia uma vida, que os humanos são iguais perante deus e as interdições dietéticas se limitam a porco e álcool. Tal condição de conflito ainda se desenrola hoje.
[4] Ou: Nepal, Paquistão, Afeganistão e a própria Índia. A região de Gandhara, que estudaremos adiante, situa-se hoje no território afegão.
[5] Revolta promovida pelos soldados indianos que serviam as forças inglesas na Índia, e que degenerou num princípio de guerra civil controlado a grande custo pela intervenção de tropas enviadas da Europa. Após esse incidente, a coroa britânica aboliu o monopólio das companhias de comércio na Índia e transformou as áreas dominadas no vice-reino da Índia, sob seu controle direto.
[6] Há uma cidade com o nome Mathura, que dá o nome a região a ser analisada aqui.
[7] 1ª edição de 1924: no entanto, Bhattacharya revisou por completo o livro 1958, incorporando novos materiais e a discussão Foucher/Coomaraswamy.
[8] Corruptela de outro nome chinês para os Yuezhi, ‘Gui-Shuang’.
[9] A Dinastia Han é dividida em duas: Han anterior, ou Han ocidental, de -206 a +2, e Han Posterior ou Han Oriental, de +22 a +221. Nesse intervalo, o imperador, Wang Mang, tentou criar uma nova dinastia, chamada de Xin. Tão logo foi sucedido, o nome ‘Han’ e a estrutura anterior foram retomadas.
[10] Li, em geral traduzido como ‘rito’; o mais apropriado seria, porém, traduzir por ‘costumes’, ‘regras sociais’ ou mesmo ‘cultura’.
[11] Bodhisatva pode significar duas coisas: alguém que atingiu o nirvana, mas ficou no mundo para ajudar os outros; ou, alguém que é candidato a iluminação, mas só a alcança no momento final de extinção da sua vida, após uma vida dedicada a doutrina.
[12] Do inglês, ‘Jin tablet’ (Caswell, 1988)
[13] RHIE, M. Early Buddhist art of China and Central Asia. Leiden: Brill, 1999. A coleção tem, até agora, 3 volumes, e um 4º está sendo produzido.

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